Raquel Baracat

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Bebês, caixas e valores - Coluna Psicologia e Comportamento por Flavia Bertuzzo

 

Hoje, domingo, resolvi dar uma caminhada cedinho pela avenida onde moro. Ela é extensa, cheia de comércios e casas mais antigas. Gostoso de olhar de perto.

E é a pé, andando devagar e olhando com atenção que a vida se torna mais próxima. É uma pena que isso não ocorra com mais frequência, o carro nos separa da vida.

Pois bem, estou andando devagar e ultrapasso com educação uma senhora e menino, talvez seu neto, que não devia ter mais que 9 anos. Não pude deixar de ouvir a seguinte conversa, no ato da ultrapassagem:

 

            _ “Se tu tá andando na rua e vê no chão uma caixa de papelão com um bebê dentro, o que que tu faz? (risos)”

Não pude ver a expressão do garoto, mas senti um momento de silêncio/hesitação e depois a resposta clássica infantil:

 

            _ “Não sei ué.”

 

A senhora/vó solta novamente uma risada e diz:

 

            _”Mas você tem que estar preparado, isso acontece muito hoje em dia, só na semana passada acharam 2...”

E meu distanciamento não permitiu mais uma escuta clara. Quisera eu ter ficado lá até o fim da conversa.

 

Claro que fiquei pensando o resto do caminho. Entre descobertas de boas lojas, casas interessantes a alugar e lindas e velhas árvores, me vinha à cabeça àquela conversa e, o que ela simboliza para o comportamento humano.

 

Estamos mesmo em uma época em que devemos preparar nossos filhos para recolher naturalmente, bebês abandonados em caixas de papelão? Essa é a maneira de ajuda-los a construir repertório para reagir da melhor maneira ao “hit” do momento?

 

 

Se falta água, ensinamos a economizar, se a energia elétrica está escassa ensinamos a racionar e se bebês são colocados nas ruas em caixas, ensinamos a, sem surpresas, recolhê-los e leva-los ao adulto mais próximo. É isso?

 

 

Ou deveríamos continuar nos indignando e aterrorizados com  esta realidade e mantendo nossas crianças petrificadas e sem reação. Aliás, ficariam ilesas emocionalmente nossas crianças diante de ambas as reações?

 

O tema é difícil e emocional. Mas poderíamos ir mais longe,  pensando em várias outras situações que vêm se tornando frequentes. Devemos nos preparar? Desenvolver repertório para absorver, pois a vida traz essa necessidade? Acostumar-se, adaptar-se seria uma violação dos valores até hoje instalados como moderadores do sujeito “bom” e do “mal”?

 

 

Hoje trouxe mais perguntas que respostas. Um exercício e tanto para no tornar conscientes, produtores de posicionamentos e não meros repetidores de tendências. O comportamento evolui assim, sendo testado, posto à prova por novas situações.

 

Os seus valores serão os mesmos até o fim da vida?

 

Muitos sim, alguns espero que não.

Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos

 

Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo. Psicoterapeuta comportamental  de adultos e famílias, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil e proprietária da Villa Saúde – Psicologia & Cia, uma proposta multidisciplinar e inovadora de fazer saúde íntegra. Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado.  Contato:  villasaudepsicologia@gmail.com e Facebook: Villa Saúde - Psicologia & Cia