Raquel Baracat

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Noções de degustação – Análise Visual

Algumas noções de técnicas de degustação poderão ser úteis ao exercício de comparação entre vinhos e reconhecimento de características das principais uvas viníferas de que se tratou em post anterior.

Esse breve overview sobre o tema antecipa um post específico sobre degustação técnica, onde buscaremos em Emily Peynau e Enrico Bernardo, dentre outros, fundamentos para uma degustação técnica de vinhos.

Por ora, para quem não pretende se aprofundar muito no tema, já será útil uma boa noção do que merece observação ao se degustar um vinho.

A atenção a alguns detalhes já fará a diferença entre simplesmente beber um vinho, em ato de ingestão sem maiores reflexões sobre a bebida ingerida, e degustá-lo, percebendo uma infinidade de informações que a bebida transmite sobre a matéria-prima usada, a vinha, as condições climáticas no ano da safra, o estilo do produtor, o uso de barricas etc.

Por razões lógicas, a degustação de vinhos é segmentada e sequenciada em três partes: análise visual, análise olfativa e análise gustativa. Hoje, em foco, a análise visual.

 Análise visual

Em linhas gerais, o que se quer avaliar nos aspetos visuais de um vinho?

Limpidez: um vinho límpido não apresenta turbidez ou partículas em suspensão, cuja presença pode indicar um defeito, a menos que, por decisão do produtor, o vinho não seja filtrado, tratando-se portanto de uma característica sua e não de defeito. Um vinho tinto de guarda e envelhecido também poderá apresentar turbidez, caso tenha ocorrido a esperada polimerização de fenóis, precipitando sedimentos que possam tornar a bebida turva, se agitada, e isso não será um defeito, mas uma caraterística de seu estado evolutivo. Mas, a princípio, não se espera ver suspensão num vinho.

Transparência: a maior ou menor intensidade de matéria corante num vinho o torna mais ou menos transparente. Um cabernet sauvignon cujas uvas de que é feito não amadureceram adequadamente, poderá não ter muita intensidade de cor, o que seria um sinal de baixo teor alcoólico para o tipo de vinho e, portanto, baixa qualidade, mas o enólogo poderá vinificar o vinho de forma a extrair mais matéria corante do mosto (suco de uva antes da fermentação), para compensar a falta de cor. O estratagema, entretanto, não resolverá o problema de falta equilíbrio, pois a inadequada maturação das uvas afeta o vinho em vários aspetos. No outro extremo, se a uva amadureceu além do ponto ideal, poderá haver muita intensidade de cor, a depender da vinificação, chegando a ser quase negro. Haverá bastante extrato e intensa matéria corante, mas provavelmente faltará acidez que dê equilíbrio ao conjunto. Essas informações têm a ver também com a tipicidade da uva e do vinho. Ordinariamente não se espera que um Borgonha pinot noir seja muito escuro, mas, ao contrário, vermelho de média intensidade.

Álcool: esse componente já se insinua no exame visual, pelas lágrimas nas paredes da taça, após agitação do líquido (vide nota de rodapé 1). Quanto mais lágrimas, mais alcoólico é o vinho. Mas o álcool será notado às vezes na aspiração dos aromas, quando o álcool se destaca de forma mais intensa, em desarmonia com o conjunto, o que poderá ser sinal de desequilíbrio, e na boca, na ponta da língua, gerando sensação de doçura quando é mais alcoólico (de 14% para cima); ao longo da língua, gerando maior ou menor ardência e, após a deglutição, gerando maior ou menor sensação de calor. Obs.: Vinhos do novo mundo costumam ser mais encorpados e alcoólicos, devido à maior insolação na vinha, que gera frutas mais maduras, com mais açúcar a ser convertido em álcool pelas laboriosas leveduras, daí a diferença entre um cabernet sauvignon (CS) francês ou do norte da Itália e um CS chileno ou californiano);

Cor: esse item dá uma série de importantes dicas sobre o vinho. Destaco aqui uma das principais: o estágio evolutivo (vide nota de rodapé 2).

Por exemplo, nos tintos, um cabernet sauvignon que se apresente:

a)     vermelho rubi escuro, quase negro, e com tons violáceos no halo, indica ser ainda jovem, prenunciando aromas um tanto fechados ou, no caso de vinhos do novo mundo, aromas potentes de frutas vermelhas ou negras, que esmaecem com o tempo; prenunciará a presença de taninos ainda não domados, o que será sentido no palato, na forma de certa rugosidade na língua e nas gengivas. Nesta hipótese, talvez o vinho evoluísse em garrafa, se fosse guardado por mais algum tempo, o que valeria para uma segunda garrafa que você porventura tenha na adega;

b)    se vermelho rubi de média intensidade, com halo grená, já estará mais evoluído, e, sem levá-lo ao nariz ou à boca, você poderá esperar que os aromas estejam mais abertos e os taninos, mais amaciados, e que sensação geral será de maior equilíbrio na boca;

 c)     se vermelho grená com halo alaranjado, já estará bem evoluído, ainda potável, talvez com aromas terciários, mas já deixando o platô de apogeu (tempo em que o vinho mantém suas máximas qualidades) e entrando na fase de declínio;

 d)    se estiver âmbar, o vinho estará morto.

 

Portanto, percebe-se a evolução do tinto com o seu aclaramento, nessa sequência de cores, em regra: vermelho violáceo, vermelho rubi, grená com halo alaranjado, atijolado.

Nos brancos, a evolução se faz no sentido do escurecimento do vinho: vai, em geral, do incolor ou quase incolor, passa ao amarelo esverdeado, depois amarelo palha, amarelo intenso, dourado e finalmente âmbar.

Isso mesmo, ao envelhecerem, os tintos se aclaram, e os brancos, escurecem. Diz-se que, se tirados os rótulos de um branco e de um tinto muito envelhecido, mortos, haverá dificuldade em se identificar qual o tinto e qual o branco.

Ao abrir a próxima garrafa de vinho, procure notar esses aspectos, lendo as informações que o vinho emite apenas a partir de sinais visuais. Nos próximos posts, análise olfativa e análise gustativa. Mais adiante, técnicas de degustação técnica.

 

Bons brindes!

(1) Lágrimas: ao agitar a taça, formam-se em suas paredes e aos poucos, três centímetros acima da linha do vinho, listras de um líquido incolor que desce lentamente, chamadas de lágrimas. Indica o teor de álcool. Como isso acontece? No líquido há maior ou menor percentual de álcool diluído. Ao recobrir-se a parede interna da taça com uma película do vinho após a agitação do líquido, o álcool evapora, remanescendo a parte não alcoólica. Quanto mais lágrimas, mais álcool; quanto mais finas forem, maior a quantidade de álcool evaporada, daí concluir-se que lágrimas finas denotam graduação alcoólica maior. Acontece com todos os vinhos e quando não fica aparente na taça, é porque há nela resíduo de detergente não removido totalmente na lavagem.

(2) Estágio evolutivo do vinho e halo: o halo mostra a evolução do vinho tinto: se está muito jovem, o halo é violáceo; se está pronto para ser tomado, costuma não ter cor no halo, como se fosse uma borda de água na taça em trono do liquido colorido, uma auréola que se percebe ao incliná-la contra um fundo branco; se já amadureceu, o halo, além de certa aquosidade na borda extrema, que sempre vai aumentando com o tempo, mais para o interior, em direção ao centro, apresenta cor atenuada, à vezes alaranjada, ou se está decrépito, o vinho como um todo  apresenta cor atijolada.

Miguel Cordeiro Nunes

Advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, com especialização em direito Processual Civil PUC-COGEAE e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, pelo IBMEC. Atua no setor financeiro e bancário em instituição financeira. Contato: miguelcn@terra.com.br