Por que a grama do vizinho é sempre mais verde? Coluna Psicologia de Flavia Bertuzzo
Outro dia li em um texto por aí sobre como nosso cérebro está mais preparado estruturalmente para perceber a dor e a privação, pois historicamente esta percepção é mais funcional à sobrevivência. Se eu tenho um alarme claro de dor, fome, frio, mais chance tenho de procurar satisfazer minhas necessidades e sobreviver, principalmente em um mundo primitivo.
Embora o mundo não tenha evoluído muito em alguns aspectos primitivos, neste da sobrevivência deu um salto significativo, não se pode negar. Ocorre então que este mecanismo cerebral super desenvolvido de detectar aspectos ameaçadores à sobrevivência passou a provavelmente ter sua função original modificada por nós e nossos irmãos. O aviso de privação que antes nos ajudava a manter a vida, hoje nos transforma em seres super-exigentes e frustrados, por que é acionado sempre e sem muita necessidade.
Temos sim também por outro lado, um outro centro no cérebro que toma conta das percepções sobre recompensa e prazer, então estruturalmente estamos preparados para reconhecer estas sensações igualmente. Mas por que exatamente parece que não o fazemos nas mesmas proporções? Por que esse estado quase que frequente de insatisfação ou de “está-faltando-algo”?
Creio que um dos fatores preponderantes é o fato do prazer estar ligado frequentemente à novidade. A novidade se vai, o prazer se modifica, as vezes até permanece mas sua percepção enfraquece.
E o que o vizinho tem a ver com isso? Por que cobiçamos sua grama? É porque seu jardim aciona frequentemente o aspecto novidade do prazer, cada vez que olhamos para o lado.
Outro aspecto importante que descaracteriza a percepção do prazer, da satisfação, é a aspiração eterna de algo que ainda não conquistamos: falta degraus na carreira, quando eu conseguir fazer aquele viagem, no momento em que eu contruir uma família.
Estamos sempre nos colocando em situação de privação!
Desta forma, exercitamos muito mais a percepção “do que falta” em detrimento da que aponta “o que temos”. Claro que planos são fundamentais à nossa construção, mas potencializam a sensação de privação.
Que tal aproveitarmos para exercitar dia a dia a percepção do que já está aqui e funciona muito bem, mesmo sem novidade? Saúde estável, amigos presente, família crescendo, trabalho decente (eu disse decente, não ideal), metade da laranja checked.
Precisamos dar uma ajudinha ao nosso cérebro para que entenda que felicidade também está na constância, naquilo que acontece todos os dias e nos permite viver sem sobressaltos.
E quando a novidade vier, a agregaremos à santa constância, como se fosse um tempero especial e não um ingrediente principal.
Felicidade com especiarias.
Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos
Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo. Psicoterapeuta comportamental de adultos e famílias, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil e proprietária da Villa Saúde – Psicologia & Cia, uma proposta multidisciplinar e inovadora de fazer saúde íntegra. Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado. Contato: villasaudepsicologia@gmail.com e Facebook: Villa Saúde - Psicologia & Cia