Série 5 segredos para superar a perda: 3. Identificar e compreender o sentimento de culpa - Coluna Psicologia por Leticia Kancelkis
As perdas são dolorosas e o nosso coração precisa se virar de algum jeito pra dar conta dessa dor. Nesse movimento interno que fazemos para buscar superar a dor da perda, podem nos dominar alguns sentimentos que têm base em fantasias, em ideias que fazem parte do nosso imaginário e que não conhecemos, por estarem escondidinhas naquela parte da nossa mente a que não temos acesso com facilidade, digamos assim.
E quando falamos sobre ideias escondidas dentro de nós, falamos necessariamente em ideias incoerentes e que nos atrapalham de alguma forma. De uma forma que pode aumentar o sofrimento e a dificuldade de superar uma perda, uma condição adversa.
O sentimento de culpa é um que pode nos dominar com alguma facilidade diante de perdas e tem base em ideias escondidas no nosso inconsciente construídas de um modo muito “atrapalhado” mesmo, por causa dos registros que fazemos desde bebês. Esses registros são incoerentes assim porque os bebês não têm recursos para compreender suas vivências. Ainda não tiveram nenhum aprendizado que possibilite que eles registrem no coração essas experiências com qualquer lógica, por assim dizer.
A criança pequena facilmente se sente ameaçada com alguma demora para chegar o leite, para ser atendida em uma necessidade. A sensação de que está com a própria vida ameaçada pode fazê-la sentir algo tão intenso que, na sua fantasia é poderosa o suficiente para destruir quem teria demorado para trazer seu alimento. Com isso, quando a mãe sai do seu campo visual, é para o bebê, como se ele a tivesse destruído.
Esta é uma base importante para o que chamo de “fantasia de controle”, que nada mais é do que a ideia de que se é poderoso para dar conta de tudo, de que se tem responsabilidade sobre coisas que a realidade prova que é impossível de se ter. A “fantasia de controle” pode nos fazer acreditar que tivemos (alguma) culpa para que acontecesse a perda em nossa vida. Os “ses” aparecem com freqüência: “Se eu estivesse lá, isso não teria acontecido.” “Se eu tivesse tido mais fé...” Se eu não tivesse dito aquilo, ele não teria ido embora.” Tantos e tantos “ses” que só servem para nos esfolar por dentro!
Não somos tão poderosos como nosso inconsciente pode mentir para nós, dizendo que somos e só podemos compreender isso, na medida em que trazemos para a consciência ideias que são desconhecidas por nós mesmos, até então. Consideremos que os “ses” não existem quando falamos em acontecimentos do passado. Simplesmente fizemos o melhor que pudemos. Ter isso em mente é fundamental para minimizarmos o sofrimento causado pelo sentimento de culpa diante da perda. Tão importante quanto isso é criticar pensamentos que trazem angústia, buscando questionar a si mesmo quanto à coerência dos mesmos.
Fazer isso não é tarefa fácil e precisamos nos lembrar de que não somos ilhas. Precisamos do outro em nossa vida, sobretudo em situações dolorosas. A união com quem também está sofrendo a dor da perda pode trazer força. A busca de um profissional também pode ser imprescindível no sentido de nos ajudar a investigar o inconsciente
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com