Dicas de séries por Raquel Baracat - Sandinton (BBC)
“Sanditon tem potencial para ser a adaptação mais ousada das obras de Jane Austen
Jane Austen é um dos nomes mais famosos da literatura mundial. Logo, não é surpreendente ver como suas obras ganham tantas adaptações no cinema e na TV. Mas um texto da autora é mais difícil de levar para as telas do que os outros: o romance inacabado Sandition, sua última criação antes de falecer em 1817. Isso não impediu Andrew Davies de assumir tal missão, em uma nova minissérie. Não reconheceu o nome? Ele é responsável pela icônica adaptação televisiva de Orgulho e Preconceito em 1995, além das recentes minisséries Os Miseráveis e Guerra e Paz.
Surge Sanditon, série centrada em Charlotte Heywood (Rose Williams), irmã mais velha dentre 12 irmãos de uma modesta família do interior. Após ajudá-lo num incidente, a jovem curiosa é convidada pelo investidor Tom Parker (Kris Marshall) para conhecer a cidade do título, que ele aposta ser capaz de se transformar num famoso resort à beira-mar. Lá, a jovem inocente se encontra no meio da disputa pela herança da rica Lady Denham (Anne Reid), enquanto passa a ter confrontos com Sidney Parker (Theo James); o centrado e temperamental irmão de Tom.
Logo no piloto, a série é capaz de levar o espectador para o mundo das obras de Austen. Numa fotografia que lembra vagamente Anne with an E, belas paisagens são cenários ao fundo do retrato de uma época mais simples — onde existia confiança suficiente para deixar sua filha adolescente viajar com um quase desconhecido, mas ainda era uma sociedade movida por normas preconceituosas e sexistas. Sem falar que as diversas figuras excêntricas que a autora adora criar estão ali: a senhora rica que não tem papas na língua; a protagonista inteligente e bondosa; a socialite venenosa; o galã misterioso e por aí vai...
O grande desafio é que Jane Austen escreveu apenas onze capítulos de tal obra antes de sua morte — algo que compõe cerca de apenas 24 minutos do piloto de Sanditon. A partir daí, até o oitavo e último episódio, será tudo criação de Davies, determinado a criar algo atraente o suficiente para o público moderno. Tal transição fica clara já no próprio capitulo, cujo arco final tem algumas reviravoltas abruptas demais, em comparação ao ritmo apresentado até ali. Isso não significa, necessariamente, algo ruim. Andrew Davies tem experiência em adaptar livros clássicos e trazer uma pimenta a mais. Vale lembrar aquela famosa cena do Mr. Darcy de Colin Firth no lago, capaz de seduzir toda uma geração.
No caso atual, antes mesmo da estreia, Sanditon causou polêmica com fãs tradicionais de Austen, a partir da notícia que a série teria sexo na narrativa. Ao conferir o episódio, por mais que exista a surpresa num momento de nudez masculina, a cena de sexo em questão não é algo gratuita, sem abusar para passar a mensagem desejada. Ao mesmo tempo, a apreensão em descaracterizar demais o estilo da obra é apoiada pelo roteiro pouco inspirado, recheado de clichês sem sutilezas. Já o uso forçado de certos ângulos de câmera, como closes longos, prejudica a narrativa singela ali apresentada. Afinal, o grande trunfo de Jane Austen era saber rir da sociedade em que vivia, mas de uma maneira sagaz e criativa, trazendo veracidade até para personagens mais excêntricos.
Mas o importante é que o potencial está ali. Num momento inicial, Anne Reid é o destaque do elenco, ao roubar todas as cenas com Lady Denham; mas a química entre Charlotte (Rose Williams, sem muito brilho por enquanto) e Sidney (um Theo James sedutor, mesmo que preso às comparações com Mr. Darcy) já é palpável. Já o arco de Georgiana Lambe (Crystal Clarke) — primeira personagem negra de Austen — promete ser uma das melhores coisas da série, mesmo sem muito tempo de tela no piloto,.
Assim, Sanditon traz uma narrativa apaixonante, capaz de conquistar fãs do gênero. A dúvida é ver se ela consegue trazer algo relevante, sem precisar fugir de sua base. Num primeiro momento, a série parece ser mais simplista, diante de colegas do gênero, como The Crown ou Gentleman Jack. Numa comparação com o mundo de Austen, seria mais similar a Amor & Amizade (2016) com Kate Beckinsale; do que o Orgulho e Preconceito (2005) de Keira Knightley. Ou seja, não é ruim, mas ainda temos que torcer (e esperar) para ver onde irá chegar”.
Fonte: http://www.adorocinema.com/noticias/series/noticia-150474/