Por que “This is America” já é considerado o videoclipe do ano? Coluna Entretenimento por Milena Baracat
Foi disponibilizado no domingo (6), o bombástico clipe This Is America da mais nova música de Childish Gambino (nome artístico do ator, roteirista, humorista e músico, Donald Glover), que em menos de 72 horas no ar, atingiu impressionantes 34 milhões de visualizações e está deixando a internet em polvorosa.
O motivo são as inúmeras referências que Gambino utilizou para criticar de forma irônica e tensa (do início ao fim dos quatro minutos do clipe), o porte de armas, os episódios racistas que aconteceram nos Estados Unidos e a alienação dos próprios afro-americanos na luta contra a brutalidade policial e as condições econômicas, sociais e políticas que os oprimem.
This is America é um tapa na cara da hipocrisia dos EUA.
O vídeo tem a direção assinada por Hiro Murai, que já trabalhou com o cantor em sua premiada série televisiva - “Atlanta” - e mostra Glover sem camisa em um galpão junto a vários dançarinos em uma atmosfera performática, tragicômica e violenta.
Rapidamente, o clipe se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, cujos internautas permanecem discutindo e teorizando sobre suas ambiguidades, mesmo uma semana após sua exibição.
Saiba quais são algumas (supostas) referências apresentadas:
- A calça usada por Gambino é parecida com a usada pelos integrantes da Confederação Americana, grupo de seis estados do país que queriam impedir a abolição da escravatura. A bandeira confederada, que foi usada durante a Guerra Civil, é hoje o símbolo da supremacia branca. Daqueles que são anti-negros, anti-indígenas e anti-imigração.
A bandeira apareceu nas fotos de Dylaan Roof, que matou nove negros em uma igreja em Charleston, na Carolina do Sul, em 2015.
- O homem sentado com o violão seria uma representação do pai de Travyon Martin, jovem negro morto injustamente pela polícia na Flórida, em 2012. Esse assassinato desencadeou o início do movimento “Black Lives Matter” nos Estados Unidos, em 2014.
-Pose igual a de Jim Crow, personagem racista criado em 1900 que fazia black face como forma de humor, caricaturando os negros. Posteriormente virou nome de um conjunto de leis que legitimavam a segregação racial nos EUA. Leis como as que escolas públicas e a maioria dos locais públicos (incluindo trens e ônibus) tivessem instalações separadas para brancos e negros.
-Cara do Uncle Ruckus, personagem animado de The Boondocks, um idoso negro que tem nojo da própria raça, nega a existência do racismo, apoia Bush e é a favor do genocídio negro nos EUA.
O personagem vivia dizendo “Eu não sou negro! Tive uma doença quando eu era pequeno, que transformou minha pele branca em negra!”.
Seus olhos semifechados representam o 'olho cego' dentro da comunidade negra.
-Na cena, após o tiro, a batida da música para mumble rap (gênero crítico que exalta a violência), Gambino entrega a arma para uma criança. Nas imagens é possível ver que as armas são cuidadosamente colocadas em cima de um tecido vermelho e carregadas com todo cuidado. Porém, as pessoas mortas são arrastadas sem nenhum cuidado. Essa diferença de tratamento pode significar que armas importam mais do que vidas.
-As crianças atrás estão com o uniforme dos estudantes presentes no massacre de Soweto, na África do Sul, ocorrido em 1976. Ele e as crianças reproduzem os passos da típica dança africana, que se popularizou nas redes sociais e se sobrepõe com o conflito e caos ao fundo.
-Um coral gospel, um dos grandes símbolos da comunidade negra americana, aparece na cena. Gambino mata todos os integrantes em uma referência ao massacre na igreja de Charleston (Carolina do Sul), ocorrido em 2015.
-Menção a Richard Pryor, humorista negro que batia de frente com as questões raciais e a violência policial. No disco The Anthology 1968-1992 participou de uma sessão de fotos. Em uma dessas fotos ele fez a pose abaixo.
-Carros pegando fogo. Não tem como ser mais simbólico que isso. É uma referência aos carros que foram queimados durantes os protestos recentes nos EUA, devido aos conflitos raciais.
-O cavalo branco faz referência à Apocalipse 6:8, que fala da morte montada em um cavalo branco. Portanto, vemos a Morte de manto preto, em seu cavalo branco guiando a viatura dos policiais.
No final do clipe, Gambino aparece correndo em um beco escuro. Um grupo de pessoas brancas o persegue. A referência seria ao filme “Corra!”.
Uma das cenas mais emblemáticas do filme acontece quando o ator Daniel Kaluuya é hipnotizado e consegue observar a si mesmo, sem conseguir se mover. O olhar de Gambino ao aparecer no final do clipe é semelhante ao que é feito pelo personagem no filme. O diretor de “Corra!”, Jordan Peele, explicou o conceito por trás desse momento, conhecido como “sunken place”: Significa que somos marginalizados. Não importa quanto alto é nosso grito, somos silenciados pelo sistema”.
A ideia é reforçada pela letra no final da canção: “Você é apenas um homem negro neste mundo/ dirigindo importados caros”.
Mesmo com o dinheiro que recebem, até artistas como Gambino e Young Thug, que canta esse verso, sofrem com a realidade do racismo nos EUA.
FONTE: Saturday Night Live / okayplayer.com / huffingtonpost.com .
FOTOS: Reprodução.
VÍDEO: Youtube
Milena Baracat
Coluna Entretenimento
Formada em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Atualmente atua com profissionais no desenvolvimento, tratamento de acervos, informatização e tecnologia da informação aplicada para bibliotecas particulares e privadas