Noções de Harmonização (parte 1)

 

Noções de Harmonização (parte 1)

As noções de estética aplicáveis à moda, o que vai com o quê, quais côres, cortes e texturas compõem melhor determinado visual etc, são análogas, em certa medida, às noções de harmonização aplicáveis à mesa, pois estas envolvem a interrelação possível entre aromas, sabores e texturas de bebidas e comidas que, por decisão de alguém, irão à mesa juntas.

Por ora, e até porque o assunto é vastíssimo, basta que você saiba que o peso e o corpo do vinho devem ter, de certa forma, equivalência com o peso e o corpo do prato.

Aquela dica de que carne vermelha pede tinto e que carne branca e peixes pedem branco, é um rudimento de regra de harmonização que deve ser relativizado, pois seu uso indiscriminado, sem cuidados e sutilezas, pode induzir a erros notáveis. Na ausência de noção mais aprofundada, vai funcionar, mas apenas em alguns casos.

Isso porque os condimentos do preparo, o molho e o resultado geral do prato, em termos de corpo e peso, preponderam sobre a cor e o tipo de carne.

Portanto, a regra de carne branca com branco, e de carne vermelha com tinto, deve ser relativizada em inúmeros casos, como nos abaixo relacionados:

1- O bacalhau, peixe de carne branca, vai bem com brancos encorpados e de médio corpo, conforme o preparo, sendo os brancos a minha opção, à revelia  dos tintófilos ortodoxos - os enófilos que só tomam tinto, rejeitando brancos e rosés nas situações em que estes últimos seriam a opção adequada;

2 -Se, entretanto, o bacalhau for preparado com molho de fortes ingredientes (pimentão, azeitona, cebola), ele se exibirá feliz e orguhoso ao lado de um tinto de média potência e sem taninos em excesso. Obs.: tanino é a substância encontrada na casca da uva, que, quando ainda presente no vinho - pois desaparece com o tempo -, remonta à sensação tátil de rugosidade dentro da boca, na língua, nas gengivas e nas bochechas, às vezes com certa aspereza, como a sensação que causa o caqui verde. Em maior ou menor grau, os taninos marcam a estrutura do vinho, junto com o álcool e com a acidez, formando um tripé de sensações que dão peso e, de certa maneira, o formato do vinho dentro da boca, dai a idéia de estrutura do vinho, se assim se pode dizer. Os tanisnos são incompatíveis com sal e, quando se juntam, ainda que temporariamente, nasce desse contato infeliz, um rebento de sabor metálico desagradável, às vezes amargo. Como o sal residual da dessalga do peixe nobre é um de seus grandes atrativos, excesso de tanino no tinto não resultará num casamento perfeito. Mas o bacalhau com tinto, conforme o preparo e rótulo escolhido, poderá levar uma boa nota na Sapucaí, no quesito tema deste post: Harmonia:...DEEEZZZZ!

3 -Um salmão vai bem com branco de médio corpo ou encorpado, mas pode ser acompanhado também por rosé e, se tiver um molho mais encorpado, até por um tinto leve;

4 - A carne de porco, considerada vermelha, vai bem com grandes vinhos brancos e também pode ir com rosado;

5 - Frutos do mar, em geral, vão bem com brancos e espumantes secos. Mas se tiverem no molho, por exemplo, queijos azuis, como roquefort e gorgonzola, pederão ir com um tinto leve, de boa acidez, para nos fazer sorrir mais do que se a escolta fosse feita por um branco de corpo leve, que aqui se apagaria;

6 - A carne vermelha rica em gordura, em geral, pede tinto de forte estrutura (entenda-se: rico em tanino, com álcool em quantidade generosa, entre 14% e 15%, e boa acidez), mas há que se relativizar a regra, pois...

 7 - O churrasco de carnes magras, em cujo preparo o sal desempenha papel de protagonista, pede um tinto de corpo médio com taninos comedidos, para que não se produza aquele sabor metálico e amargo já referido como rebento bastardo do casamento infeliz entre tanino e sal;

Outras dicas de harmonização:

1 - Quanto à acidez, convém que o vinho seja mais ácido que o prato, para fins daquele efeito interessante de que o vinho, ao limpar o palato e ativar as laterais da língua com sua acidez, provoca a vontade de trazer o garfo à boca com mais uma porção de comida;

2 - Cuidado com vinagre:  salada temperada com o derivado de uva geralmente se choca com o vinho, em razão da acidez acentuada do vinagre. Se o vinho for convidado à mesa, exclua o vinagre da lista dos elegíveis ao banquete. Traga à cena algum substituto que tempere a salada, sem esse efeito colateral;

3 - O vinho de sobremesa deve ser mais doce que a própria sobremesa. Caso contrário, o vinho sumirá na boca, enfraquecido diante da concentração maior de açúcar na sobremesa. Por outro lado, o bom vinho de sobremesa deve ter equilíbrio entre teor de açúcar e teor de acidez, eis que ambos se complementam perfeitamente. Vinho doce, sem acidez, que faça frente à sua própria doçura, torna-se pálido, sem graça, insosso e, sobretudo, enjoativo. O vinho certo para a sobremesa pode encerrar uma refeição de forma magistral: o jantar literalmenbte acaba, mas apenas para ingressar e se eternizar na memória, onde o tempo é relativo e onde as boas lembranças sobrevivem indefinidamente.

4 - Pratos e vinhos da mesma região têm grandes chances de se casarem por amor: Romeu e Julieta com as benções de suas belicosas, mas pacificadas famílias (reescrevendo Shakespeare) . Há certo consenso em que pratos e vinhos nascem e crescem numa mesma região, amoldando-se uns aos outros, aparando-se mutualmente arestas e dissenções para, às vezes, com os astros alinhados, culminarem num amálgama perfeito. Portanto, faz sentido cassoulet com tinto do sul da França; queijo de cabra do vale do Loire com Sancerre branco, feito com sauvignon blanc, também do Loire; massas aos molhos toscanos com tinto da uva sangiovese (Chianti ou Supertoscano em que vá essa uva); e por aí vai. 

5 - Ao saber que determinado prato combina melhor com vinho tinto seco e que, pelo corpo do  molho que vá nesse prato, o tinto não poderá ser de corpo leve, mas encorpado, sob pena do vinho ser ofuscado pelo molho, você já terá meio caminho andado na escolha da garrafa que poderá resultar numa boa harmonização e, às vezes, numa lembrança inesquecível.

Bons Brindes !

 

 

 

 

 

 

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Miguel Cordeiro Nunes

Advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, com especialização em direito Processual Civil PUC-COGEAE e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, pelo IBMEC. Atua no setor financeiro e bancário em instituição financeira. Contato: miguelcn@terra.com.br