O texto desta coluna, para abertura de 2014, não trata de vinhos, embora, em última instância, trate de assunto indiretamente relacionado, por dizer respeito ao direito que o povo brasileiro tem de cobrar de seus governantes maior responabilidade no trato da coisa pública, já que inexiste correspondência entre o que se paga de impostos, inclusive sobre vinhos mas não exclusivamente, e o que o Estado devolve na forma de serviços.
Causa estranheza saber que em alguns países europeus deputados e outros servidores públicos de alto escalão nada recebem pelo serviço que prestam. Sabe-se que nesses países, se os servidores são descobertos em episódios de corrupção, as penas são severíssimas.
Estranhamos porque essa é uma realidade que não conhecemos. Aqui, quando muito, nas raras exceções a essa mesmice de impunidade, vemos o lado escuro da força se levantar em claro instinto de auto preservação, pois muitos são os que beneficiam de toda a sorte de privilégios inescrupulosos, numa rede de interligações ilícitas que se perde no horizonte.
Estranheza maior é causada quando se sabe que um servidor de alto escalão abdica do salário polpudo. Exemplo disso foi noticiado pelo Estadão (*), sobre o prefeito de Nova Iorque, que abdicara do salário, recebendo durantre sua gestão um simbólico dolar mensal. A foto da matéria mostra o prefeito da Big Apple dentro de um vagão de metrô entre membros de seu staff e demais usuários.
Então somos levados a refletir pesarosamente sobre nossa realidade: os impostos que aqui se paga, não apenas sobre os vinhos de nossa predileção, mas sobre a cesta básica, sobre os bens duráveis, sobre a renda etc, uma parte retornam ao contribuinte na forma de uma educação claudicante, de uma saúde doente, de um transporte público deficitário e indigno até mesmo do gado, que afinal de contas é como o povo é tratado. A outra parte se perde pela má administração de recursos públicos, falta de planejamento, corrupção etc.
Seriam alguns de nossos políticos capazes do altruísmo do tipo noticiado pelo Estadão ? Eles, com raras e honrosas exceções, têm no Estado uma fonte pagadora de salários, privilégios, verbas moralmente inexplicáveis e benesses sem fim que, na iniciativa privada, quebrariam a empresa mais sólida. Explica-se assim o atraso social, político e econômico reinante entre nós.
Há décadas, hordas dessa espécie de "homens públicos" se mesclaram no serviço do Estado, para, como parasitas inexpugnáveis, sugar recursos até que sejam pegos, o que raramente ocorre, mas, ainda nessa hipótese, sempre haverá uma boa chance de escapar sem satisfatoriamente prestar contas ao povo e à justiça.
Exemplos como o do Sr. Michael Bloomberg, que abdicou de seus salário como prefeito de Nova Iorque, fariam pouco eco nestas paragens tupiniquins, não teriam nenhum ibope em nossa classe política, pois ideias desse nível de desprendimento causam em "nossos homens públicos" não vocacionados urticárias atrozes, os fazem se contorcer como se estivessem possuídos por legiões demoníacas numa sessão de exorcismo, apenas e simplesmente porque lhes falta a verdadeira vocação republicana para ocupar cargos de servidores públicos.
A esmagadora maioria de nossos "homens públicos", os não vocacionados, jamais abrirão mão de salários elevados, de verbas variadas e sobretudo da possibilidade de negociarem os interesses públicos como se numa banca expúria de transações inomináveis estivessem, tudo sob o manto protetivo que, em seus torpes conceitos, recaiem-lhe em razão da autoridade que atribuem a si próprios.
Enquanto está conectada às confortáveis, quentinhas, macias e generosas tetas do Estado, bancada com sangue, suor e lágrimas de contribuintes não correspondidos, essa espécie de “homem público” usa o cargo para, nem que seja a fórceps, obter toda sorte de vantagens em detrimento do povo a que deveria servir com honestidade e retidão incondicionadas.
Não bastassem os benefícios indecentes que amealham em causa própria, o fazem ainda em benefício de seus partidos, gerando uma cadeia de empreguismo público nociva à máquina do Estado em todos os níveis, elevando o gasto da máquina, o que "justificaria" em parte o arroxo fiscal que impõe ao cidadão pagar cada vez mais impostos, sem o mínimo de retorno em saúde, educação, transporte público decente e qualidade de vida em geral.
Essa espécie de “servidor", que torna o Estado sua fonte pública de benefícios privados, deve ser extirpada do meio político, pelo voto, pelas manifestações responsáveis e democráticas, por toda sorte de ação profilática que tenha por escopo a faxina na seara política e adiministrativa. Trabalho para eles fora do setor público! Faria-lhes muito bem, a si próprios e às finanças do Estado.
Comecemos com um exemplo simples e de fácil execução, um exercício de auto educação que os políticos podem se impor num esforço de reconquista do respeito do povo contribuinte: abdicação de uso de carro oficial bancado pelo estado. Não só políticos, como juízes, deveriam postar-se como cidadãos comuns e, em Cidades como São Paulo, por exemplo, pegar metrô e ônibus para ir ao trabalho e de volta para a casa, pagar com recursos próprios os táxis proibidos de trafegar nas faixas exclusivas de ônibus. Emfim, servirem-se do transporte público disponível, já que o uso de carro próprio parece ter sido inscrito por decreto como o oitavo pecado na lista dos pecados capitais.
A iniciativa seria ótima não apenas pela redução de custos, que liberaria mais verbas para educação, saúde e transporte, mas sobretudo pelo exemplo dessas figuras públicas e altos servidores de se colocarem no mesmo patamar do cidadão comum, este que, ao invés de ser servido pelo Estado, é dele servidor, como súdito de algumas de suas excelências garbosas de suas posições de “autoridade”, no torpe conceito que criam e atribuem à palavra.
Ao viver as mesmas agruras dos cidadãos comuns, talvez as decisões desses Senhores, no exercício de suas funções, fossem sensibilizadas pela vivência pessoal no angustiante dia a dia de quem não é autoridade, mas que paga os impostos que as sustentam, sem o mínimo de retorno razoável. Cidadãos que não podem, sob qualquer pretexto ideológico, ser segmentados em castas para fins das alegadas correções históricas.
Todos são cidadãos, contribuintes em maior ou menor grau, e todos deveriam ser, sem exceção, merecedores e destinatários de respeito e do melhor serviço público possível, que aliás lhes tem sido negado reiteradamente com a empáfia de pseudo autoridades que agridem ao senso mais comezinho de justiça.
Não basta à autoridade a legitimidade de acesso ao cargo, seja pela via do sufrágio universal, seja pela via do concurso público. Há de ser a autoridade lastreada na moral que norteia seu comportamento púbico e privado. Portanto, que os bons políticos, verdadeiros homens públicos vocacionados de fato para o serviço, passem a dar exemplos como o que aqui se sugere, para que então, um dia talvez, tenhamos no Estado homens que abdiquem de salários apenas para servir, encurralando e tornando estranhos aos meio político o rol de parasitas que ao invés de servirem, querem do Estado apenas se servir.
Mas comecemos por aqui, com a abdicação do uso de carro oficial. Será, convenhamos, um belo exemplo que verdadeiros servidores vocacionados para causa republicana darão, liderando um saudável movimento pelo saneamento político que expurgue ralo abaixo a corja de parasitas que há décadas se apropriam de parcelas importantes do Estado, em todos os seus níveis, gerando uma letal metástase no organismo político.
Talvez assim, a partir de alguns , ainda que poucos, mas heróicos exemplos, pudéssemos ver restabelecendo-se gradativamente a credibilidade dessa classe de tão importante papel na vida do país.
Vida longa e força aos homens públicos honestos e vocacionados para a causa republicana! Morte política e ostracismo para aqueles que resistem em entender, e sobretudo aceitar, que a razão última e primeira de um servidor é servir, com honestidade, com retidão e com o brilho nos olhos na busca de um pais melhor e mais justo. Que o povo seja de fato destinatário dos melhores esforços desses servidores, incluídos aí, sim, deputados, senadores, vereadores, administradores públicos e chefes de executivo, condição que é da essência do servidor e que muitas pseudo autoridades insistem ignorar. ABAIXO O USO DE CARRO OFICIAL !
(*) http://oesta.do/1dTM8fE (via Internacional Estadão) #NovaYork
Miguel Cordeiro Nunes
Advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, com especialização em direito Processual Civil PUC-COGEAE e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, pelo IBMEC. Atua no setor financeiro e bancário em instituição financeira. Contato: miguelcn@terra.com.br