No post anterior vimos que você, inspirado em sua amiga enófila, decidiu montar uma adega básica para atender as necessidades domésticas.
Como você optara por não adquirir vinhos de guarda, pois os quer para consumo imediato, não há necessidade de maior rigor quanto à armazenagem.
Caso você não tenha uma adega de verdade em casa, e caso não possua uma pequena adega elétrica climatizada, as garrafas deverão permanecer deitadas (mesmo para o Porto, que se fosse destinado à longa guarda, deveria ficar em pé para o álcool não danificar a rolha), de preferência num local fresco, escuro e tranquilo da casa (embaixo de uma escada, dentro de um armário fechado e arejado, longe de produtos de limpeza ou que exalem cheiros fortes, e longe ainda de fontes de calor, como fogão e fornos).
A oxidação precoce não é exatamente um problema para os vinhos acondicionadas nessas condições, porque ela raramente ocorrerá em tempo de danificar o vinho. Você logo abrirá a garrafa. Entretanto, a luz e odores pungentes são uns dos maiores inimigos do vinhos nas condições citadas.
As garrafas poderão permanecer assim por até cinco meses, na avaliação de alguns, e por até dois anos na avaliação de outros, mas lembre-se de que a variação de temperatura (amplitude térmica) que se tem no Sudeste brasileiro é danosa para vinhos em geral. Vinhos que eu não possa adegar adequadamente por falta de espaço na adega climatizada, deixo-os nessas condições acima por período não superior a quatro meses.
A amplitude térmica não afetará significativamente vinhos que sejam consumidos nesse período de cinco a seis meses, mas o vinho estará envelhecendo rapidamente em razão da alta temperatura, e de forma desequilibrada, devido à intensa variação térmica.
Se você esquecer uma garrafa ali, a rolha será empurrada ligeiramente para fora nas altas temperaturas e será sugada de volta quando a temperatura baixar significativamente, em movimentos imperceptíveis a olho nu, facilitando a evaporação e a entrada de oxigênio em quantidade que oxidará o fermentado, matando-o lentamente.
Jamais compre vinhos que estejam na primeira fila da prateleira do mercado, em pé. O vinho pode estar ali há semanas recebendo luz e ressecando a rolha, o que permitiria a intromissão indesejada de pequenas quantidades de oxigênio, oxidando o vinho precocemente e provocando alterações químicas indesejáveis.
Para se certificar, pegue uma garrafa que pareça estar há muito tempo em pé, na linha de frente da fileira do mercadinho na esquina da rua onde você mora: se o nível estiver preocupantemente abaixo da base da cápsula que envolve o gargalo, será sinal de que o vinho evaporou em razão da rolha ressecada. Ao abri-la, você notará, já nos aromas, que o vinho está passado, decrépito, oxidado. Por isso pegue sempre o último vinho da fileira, pois normalmente está mais abrigado da luz, apesar de estar em pé.
Numa loja especializada ou numa importadora, quando a garrafa não está deitada no mostruário, o vendedor te trará uma garrafa que descansava em caixa fechada. Mas, de modo geral, evite garrafas do mostruário, mesmo que se trate de vinho para consumo imediato.
Daí você não ter investido em vinhos de guarda, que seriam drasticamente penalizados nessas condições, o que você só perceberia dez, quinze anos depois, quando viesse abrir as garrafas, apenas para descobrir que haviam morrido dada a ausência de cor, aromas, taninos, corpo e equilíbrio. Oportunamente abordarei a armazenagem de vinhos de guarda (temperatura constante, umidade mínima etc).
Mas para os vinhos de consumo imediato, o arranjo funcionará bem e o vinho não sofrerá a ponto de você perceber.
Talvez chegue o dia em que você não saberá o que fazer com as garrafas de Brunello di Montalcino que trouxe da Toscana, nem com as garrafas de Hermitages e Chambertins que trouxe do norte do Rhône e da Borgonha, talvez descubra que precisa de mais quatro anos para abrir as garrafas de Don Melchor e Seña que trouxe na última viagem ao Chile, sob risco de cometer “infanticídio” com as distintas e imberbes garrafas.
Se isso ocorrer, talvez seja hora de pensar num armário climatizado ou numa adega elétrica que funcione a base de compressor, e aí você estará entrando numa seara de poucos apreciadores de vinhos de guarda devidamente envelhecidos, daqueles vinhos que, da juventude à maturidade, se transformam sobretudo para se tornarem mais complexos, ofertando ampla paleta de sabores e aromas, que aqui são chamados de aromas terciários ou bouquet.
Não se chega a esse Eldorado sem que o vinho literalmente durma em paz, silêncio, escuridão e ao abrigo de cheiros que os contaminariam pela rolha.
Para os vinhos de consumo imediato, entretanto, os arranjo sugerido dará conta do recado, e você se divertirá muito com baixo investimento e sem maiores distúrbios domésticos.
Bons brindes!
Miguel Cordeiro Nunes
Advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, com especialização em direito Processual Civil PUC-COGEAE e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, pelo IBMEC. Atua no setor financeiro e bancário em instituição financeira. Contato: miguelcn@terra.com.br