Dica de Livro: Antes do Baile Verde - Lygia Fagundes Telles
Com barulhos vindo da rua, a borboleta alça voo e Maria Camila faz o gesto de tocar a corola da flor: “Não chegou a tocá-la. Recolheu as mãos e ficou olhando para as veias intumescidas com a mesma expressão com que olhara para a rosa”. Matilde pergunta se a visitante é “conhecida do doutor” (primeira referência ao marido). “Trabalham juntos” e o conto vai tomando nova feição. A moça é estagiária no laboratório em que o dono da casa trabalha. E a senhora conhece ela, pergunta Matilde. “Já vi de longe“. Matilde: “Então é essa que às vezes telefona para ele“. “Deve ser, sussurrou Maria Camila apanhando a pétala que caíra na relva. Levou-a aos lábios que estavam lívidos: Deve ser”. Os lábios que estavam lívidos já nos transmitem, sorrateiramente, toda informação que precisávamos sobre a reação de Maria Camila aos telefonemas da estagiária. E os termos da empregada: “essa”, por exemplo.
Matilde insiste no assunto dos telefonemas. Maria Camila: “Os velhos, os mais velhos gostam da companhia dos jovens, acrescentou… dilacerando a pétala entre os dedos”. Aí ela passa para o assunto do menino treinando piano no vizinho, antes era violino. Nisso passa uma adolescente na rua: “[Maria Camila] ficou seguindo com o olhar congelado uma adolescente que passava na calçada. Franziu a cara como se enfrentasse o sol”. E Matilde volta à carga: “Como e que ela se chama? Essa do chá…” Maria Camila lembra do botão que ela tem de pegar na caixa para pregar a alça. Maria Camila conversa com a rosa, pergunta o que deve fazer agora, passando a pensar logo em seguida: “Augusto, Augusto, o que eu faço agora?” A empregada volta com um botão, conversam sobre o avançar da tarde, Maria Camila ri de repente: “Acho a vida tão maravilhosa!”, surpreendendo a empregada. O menino pára de tocar. Maria Camila fica alerta. Olha o relógio, ordena a Matilde: “Assim que a moça chegar, sirva o chá aqui mesmo, faça um chá bem forte. E traga três xícaras”. “Mas se é só a senhora e ela…” Na verdade, a patroa também espera o patrão, “o doutor”, ele deve aparecer. Nesse assomo de energia: “Quero os guardanapos novos, não vá esquecer, hein? Os novos.”Passos ressoam na calçada, deve ser a menina, “essa” que telefona, a estagiária, aquela contra o qual os exércitos de Maria Camila devem estar alinhados (o chá bem forte, a sua bonita e arrumada casa, os guardanapos novos), a amante do marido: “Maria Camila levantou a cabeça. E caminhou decidida em direção ao portão“.
"Não é preciso uma revelação bombástica, uma cena de dramalhão, um elemento a mais, para indicar essa cumplicidade meio hipócrita da empregada com a patroa, a distância social jamais sendo preenchida, porém a convivência obrigando a “aludir” a uma situação intolerável. Acho esse conto sensacional.
O esquema de “Um chá bem forte e três xícaras” se repete no bem mais (e merecidamente) famoso “Antes do baile verde”, o conto-título, ainda que com modulações diferentes: ainda é a surda cumplicidade hipócrita com a empregada, da moça com o pai moribundo e que não quer se sentir culpada por ir pular o carnaval. (acho que não é ocioso anotar aqui que Clarice Lispector também tem um pequeno grande texto que aproxima carnaval e morte, “Restos do carnaval”, de Felicidade clandestina, uma seleção que ocupa na obra clariceana de certa forma a mesma posição de Antes do baile verde; ressalte-se que no conto de Lygia é o pai, no de Clarice, a mãe). E analisando friamente, trata-se de uma arcabouço paradigmático: boa parte dos textos de Antes do baile verde são estruturados em torno de um diálogo entre duas pessoas, uma das quais é marcadamente frágil se flagrada num confronto direto, por isso os confrontos lygeanos são sinuosos e mediados. Temos os irmãos,o introspectivo e inadaptado Rodolfo e o bem sucedido Eduardo de “Verde lagarto amarelo” (confesso que acho esse título meio forçado), o casal (?) de “Os objetos” (um conto onde o personagem mais frágil se agarra a objetos “arredondados” e hospitaleiros porém sua atenção, sabemos depois, está no focada no objeto com arestas, que não convida, que não conforta: uma adaga), temos os casais de “A chave” (na verdade, é um confronto desdobrado, entre o personagem masculino e a mulher mais velha que ele abandonou e a mulher mais jovem que ele não consegue acompanhar em sua vida social), de “A ceia” (conto belíssimo, em que uma mulher abandonada dá vexame num restaurante que está quase fechando), “As pérolas” (o homem que foi “apoltronado” pelo casamento que debate com sua esposa se deve ou não participar de sua vida social) e assim por diante".
Fonte: http://armonte.wordpress.com/tag/antes-do-baile-verde/
Dica de Filme: Em Nome de Deus
Luciana Andrade
Bibliotecária e Psicologa formada há alguns anos.. Atua na área de psicologia com consultório e no SOS Ação mulher e família como Psicologa voluntária . Cursou biblioteconomia por adorar os livros e assim ficou conhecendo mais profundamente a história literária. Através de filmes e livros consegue entrar em mundos reais, imaginários , fantásticos o que deixa o coração e a mente livres para conhecer , acreditar e principalmente sonhar.