Vinhos de consumo imediato e composição de uma adega básica


Você tem uma amiga que possui uma charmosa desenvoltura empunhando uma carta de vinhos. Simpática, e sobretudo atraente, ela escolhe os rótulos conforme a ocasião, os pratos e até mesmo conforme o gosto das pessoas em torno da mesa, e chama a atenção por isso.

Mesmo marmanjos com algum conhecimento da matéria sentem-se seguros ao amparo das opiniões da moça e até debatem possíveis alternativas, mas, em geral, preferem seguir as sugestões da beldade enófila, que, apensar de gostar dos temas do vinho, prefere falar da literatura de Gabriel Garcia Marquez e Paul Auster a discutir se a última safra de Bordeaux será melhor que a antecessora.

Invariavelmente, ela acerta nas escolhas, mas admite abertamente ser um eterna aprendiz, pois tem a modéstia de quem domina o assunto e a sabedoria de quem busca aperfeiçoamento.

Ela não esnoba, mas elegantemente faz o vinho parecer algo natural, essencial não só às pessoas simples, que nele têm um item alimentar, mas também às pessoas cultas, que nele buscam cultura e requinte à mesa, e ainda importante para os descolados de todo tipo, que buscam nele estilo, sofisticação e prazeres enogatronômicos.

Segundo ela, há preços e tipos para todos os bolsos e gostos, o que tornaria o vinho democrático, atributo importante para uma bebida que, comprovado em inúmeros estudos acadêmicos, se desassocia do alcoolismo a que podem induzir outros fermentados e destilados, estando mais ligada à ideia de saúde e equilíbrio.

Não bastassem esses atributos intelectuais, sua amiga jamais se poupa dos prazeres da mesa, e...sim!, ela é esbelta! Para algumas amigas, irritantemente magra; para alguns amigos, uma tela de pintura irretocável.

Em sua companhia, você teve oportunidade de experimentar espumantes, rosés, brancos, tintos e vinhos de sobremesa de várias regiões produtoras. Ela é uma referência de bom gosto e uma fonte de inspiração para você.  

Bem, vejamos: parece que você foi fisgado e contagiado...pelo universo do vinho. Como último item da lista de metas para o ano novo, você anotou: conhecer mais sobre vinhos! Você quer então experimentar mais, ganhar mais “litragem” e fluência na matéria. Quer trazer para o universo íntimo e familiar o que de bom o vinho possa agregar em termos de bons hábitos alimentares e estilo.

Mas a leitura de revistas de gastronomia e vinho, de colunas em jornais como O Estadão, a Gazeta Mercantil e o Valor Econômico, já não dão conta de tua curiosidade sobre o assunto e te sugerem avançar na literatura especializada clássica e, por que não, planejar a conciliação de objetivos turísticos com visitas a vinícolas e reservas em restaurantes estrelados para fins de harmonizações de alto nível.

Na empresa, você passa trocar figurinhas, pegar dicas de viagens e opinar nas poucas rodas que, vez ou outra, tratam dos temas do vinho e gastronomia. Nota ainda certa exclusividade no meio, já que o país tem tradição no consumo de outros fermentados e destilados.

Você decide montar uma adega básica, reunindo alguns rótulos de vários estilos que atendam às necessidades domésticas e sociais. Por outro lado, como se inicia no assunto, não quer gastar muito e não precisa de vinhos de guarda, em geral, caros e geniosos quanto aos cuidados de guarda. Sua necessidade é imediata.

Aliás, sua amiga comentou certa vez que menos de 5% da produção mundial são de vinhos destinados à guarda, para envelhecimento superior a oito, dez anos. Ao atingir essa idade, a esmagadora maioria dos vinhos teria perdido aromas, estrutura, álcool e equilíbrio, pois não foram feitos para envelhecer e ganhar complexidade aromática e gustativa.

Alguns devem ser consumidos de imediato, outros precisam ser consumidos nos primeiros anos, de dois a três anos a contar da safra, quando estão no apogeu, enfrentando daí em diante um inexorável declínio.  

Assim, ela desmistificou para você o mito da frase: “quanto mais velho, melhor o vinho”, pois só ela só vale para a minoria, os vinhos de guarda.   

Você precisa então decidir o que comprar. Isso vai depender de seu gosto pessoal, mas, partindo de uma premissa de que você aprecia os vários estilos de vinho que sua amiga te apresentou nos últimos meses, e se os entende essenciais para harmonização com pratos, é importante que você reúna um pequeno, mas representativo, acervo de dez garrafas:

A adega

2 espumantes: um brüt e um demi-sec, ou seja um seco e um meio doce. Este último porque muitas de tuas amigas preferem ainda espumantes levemente adocicados, até que descubram os segredos dos brüt. Há vários nacionais de bom nível a preços interessantes. Há os incríveis cavas espanhóis, podendo ser inclusive um Condorniu Pinot Noir, no caso um espumante rosé. Pode ser ainda um espumante tinto, como o Lambrusco italiano. Ainda italianos, há os sedutores franciacorta. Por fim, há os soberbos champagnes, desde os simples até os caros millésimes safrados.

1 rosé: pode ser das regiões francesas do Bandol (Provence) ou do Loire.

2 brancos: um Chardonay chileno de Casablanca e um corte de Sauvignon Blanc e Sémillon, de Bordeaux; pode ser um aromático Torrontés argentino e um Riesling alsaciano; ou ainda um Sauvignon Blanc do Chile (Casablanca) e um Viúra, da Rioja espanhola; um Sauvignon Blanc francês, do vale do Loire, e um Gewürstraminer  francês da Alsácia; um Chardonay e um Sauvignon Blanc, ambos  americanos, do Napa Valley; enfim, inúmeras possibilidades de variação, sempre tentando ter uma opção de vinho de mais corpo e untuosidade, como os feitos com Chardonay e Sémillon, e os mais e cítricos e agudos como os feitos com Sauvignon Blanc e Riesling, podendo-se alternar com opções aromáticas como os feitos com Gewürstraminer e Torrontés;

4 tintos:  a primeira sugestão seria ter um Cabernet Suvignon encorpado chileno, como o Cousiño-Macul Antigas Reservas, um Malbec argentino de altitude, fresco e de médio corpo, podendo ser um Catena ou um Cobos, um Cabernet Franc de médio corpo, do Loire, e um Gamay de corpo leve, podendo ser um Beaujolais – da Borgonha-  ou tinto leve de Touraine, do Loire, feito com essa cepa; uma segunda sugestão seria um encorpado blend de Malbec e Cabernet Sauvingon Alpha Crux, do argentino O. Fourier; um  encorpado Zifandel de baixo rendimento californiano, um blend de médio corpo de um Bordeaux Superieur, e um leve Pinot Noir Village, do  J. Drouhin, Borgonha);

1 Porto: pode ser um Ruby ou Tawny; alternativamente, você poderá ter: um Madeira doce, de Portugal (Ilha da Madeira); um Jerez doce, da Espanha; um Banyuls (apelação do sul da França, na costa mediterrânea); um Beaume de Venise (Rhône); ainda um Vendange Tardive botrytizado alsaciano, feito com a aromática gewüstraminer ou com a rainha das uvas brancas, a riesling, após colheita tardia; se quiser investir um pouco mais, poderá ter um Sauternes, francês, ou um Tokaji azsú, húngaro, verdadeiras esculturas líquidas;

Esse acervo, será útil nas situações mais variadas e você poderá, conforme o consumo, alternar, na reposição, para vinhos de mesmas características, mas de outros produtores, outras regiões vitivinícolas, e outras faixas de preço, para maior diversidade de opções ao longo do tempo.

O custo poderá variar conforme você queira investir mais ou menos, e um bom sommelier de loja especializada poderá indicar alternativas para que sua adega básica se ajuste ao orçamento destinado a ela. A grosso modo, o custo vai girar entre R$ 600 e de R$ 1.000,00, conforme as opções que se faça na escolha do conjunto.

Além da variedade, a outra vantagem desse arranjo consiste no fato haver no pequeno acervo pelo menos um vinho com chances de harmonização com o prato que você venha a servir.

Feitas as compras e adegadas as garrafas, por que não convidar sua amiga para um jantar em sua casa, ou apenas para petiscarem, enquanto degustam uma boa garrafa de vinho?

Como você já conhece o gosto dela, não será difícil acertar na escolha, pois agora quem está no comando é você, e o lúdico te levará a retribuir a ela parte do que você recebeu em referências e informações, brincando com paladar, instigando os demais sentidos e descobrindo novas possibilidades.

Bons brindes!

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