Quem nunca ouviu falar na história de que estamos sujeitos a pagar uma espécie de “multa” se perdermos o cartão de estacionamento do shopping?
Do mesmo modo, muitos de nós já ouvimos histórias de amigos que perderam cartões de consumo em bares ou casas noturnas e também tiveram que pagar altos valores para poder ir embora; alguns já até vivenciaram tal “agradável experiência”.
O que nem todos sabem é que, tanto os estacionamentos (shoppings, supermercados, grandes comércios etc.), quanto os bares e casas noturnas, não podem impor pagamento de “multa” de qualquer valor por conta de perda de cartão de estacionamento ou consumo.
Apesar do nosso ordenamento jurídico ser calcado prioritariamente na lei (influência romano germânica/Civil Law), podendo se valer dos costumes, via de regra, quando a lei for omissa (Art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), deparamo-nos muitas vezes com situações nas quais as soluções propostas advém de discutíveis “costumes”, mesmo quando não há omissão legal. Ou seja: mesmo nos casos nos quais a lei proíbe tais práticas.
Em relação aos estacionamentos, os estabelecimentos podem cobrar pelo período de permanência do veículo se conseguirem comprovar por outra forma tal período; caso não consigam, não podem jamais impor qualquer “multa” ao consumidor, muito menos impedi-lo de deixar o local.
Já em relação aos cartões de consumo, aplica-se solução semelhante: cabe ao estabelecimento ter o controle eficiente do que o cliente consumiu. Em caso de extravio do cartão, o estabelecimento pode cobrar apenas o que foi consumido pelo mesmo, nada além disso.
Cumpre esclarecer que, em ambos os casos, o que chamamos de “ônus da prova” (dever de provar), é transferido para o estabelecimento, por disposição do Código de Defesa do Consumidor, diante da hipossuficiência do cliente (fragilidade para conseguir comprovar o período que usou o estacionamento ou o que consumiu no bar, restaurante ou casa noturna); dessa forma, se o cliente não concordar com os itens consumidos, a casa tem que ter a total segurança de conseguir efetivamente provar, tendo ciência da dificuldade que há em se conseguir fazer tal prova.
Porém, apesar de todas as observações acima expostas, existe também o outro lado da história, que, apesar de ter encontrado soluções equivocadas, tinha motivos para tentar se proteger de alguma forma, cabendo-nos reflexão.
Apesar dessas cobranças serem abusivas (como acima dito), sabe-se que tal costume não surgiu “do nada”, sem qualquer propósito; tais medidas passaram a ser corriqueiras diante de atitudes incorretas que também seguidamente partem dos próprios consumidores, como, por exemplo, perdas de cartões de consumo sem a devida comunicação imediata (após ciência) ao estabelecimento, que acaba sofrendo muitas vezes prejuízos consideráveis diante de outros clientes de caráter duvidoso, que encontram tal cartão e “fazem a festa”, consumindo valores astronômicos, deixando o prejuízo para a casa.
Infelizmente, situações desse tipo também ocorrem com bastante freqüência.
Dessa forma, nada melhor do que tentar resolver a situação com bom senso: se você é empresário, administrador ou gerente do estabelecimento, saiba que jamais poderá cobrar multas pelos extravios dos cartões, bem como não pode impedir o cliente de ir embora. Cabe a você buscar alternativas para controles secundários, tentando também resolver da melhor forma possível com seu cliente situações desse tipo.
Já você, consumidor, tente sempre zelar pela guarda dos cartões; afinal, não é porque a lei pende para seu lado que você deve agir com displicência.
Em relação aos cartões de estacionamento, procure sempre guardar contigo com responsabilidade. Em caso de perda, procure a gerência, explique educadamente o que ocorreu e diga o período de estadia do seu veículo, apresentando também o documento do carro; caso tenha notas fiscais de compras, apresente-as, pois isso facilitará a comprovação aproximada do tempo gasto no local.
Já em relação aos cartões de consumo, procure também sempre ter responsabilidade ao guardar; eles existem para te dar maior conforto para consumir sem ter que se dirigir ao caixa a todo momento para efetuar pagamentos prévios. Em caso de extravio, procure imediatamente a gerência da casa e relate o ocorrido, para que possam anular o cartão perdido, substituindo-o por um novo, minimizando eventuais prejuízos caso algum “espertão” venha a encontrá-lo e queira levar alguma vantagem.
Procure relatar o que foi consumido, agindo sempre com educação e bom senso. Caso a casa queira cobrar multa, explique educadamente que você sabe que tal cobrança é abusiva, que você não se opõe a pagar o que efetivamente consumiu (o justo) e que está disposto a resolver a situação da melhor forma possível para ambas as partes. Mostrando ser uma pessoa serena e esclarecida, dificilmente a gerência insistirá na cobrança da multa.
No entanto, caso a boa educação não funcione, existem duas alternativas: ligar para a Polícia (o que pode trazer mais estresse para uma situação já estressante), ou efetuar o pagamento, exigindo a Nota Fiscal.
Qualquer dessas duas alternativas é passível de ressarcimentos posteriores, dependendo dos fatos ocorridos e danos causados; o que se espera sempre, no entanto, é que não se chegue a tais situações extremas.
A melhor solução sempre é o bom senso, de ambos os lados.
Fernando Pompeu Luccas é advogado, palestrante, membro da Comissão de Estudos sobre Direito Recuperacional e Falimentar da OAB/Campinas, Especialista em Direito Processual Civil pela Puc-Campinas, pós-graduando em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito – EPD e em Recuperação de Empresas e Falências pela Fadisp/SP.
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