Caros internautas,
Como esta coluna pretende ser um espaço de troca de informações sobre o vinho e suas circunstâncias e, portanto, uma oportunidade de se compartilhar experiências cotidianas no entorno dessa bebida, suas histórias, produtores, regiões renomadas e emergentes etc, convém algumas palavras de apresentação do colunista.
Não se trata de enólogo, o profissional graduado responsável pela ”assinatura” do vinho que resulta da aplicação de suas técnicas à vinha e à vinificação das uvas, de suas escolhas quanto à composição de assemblages (misturas de cepas), quanto ao uso de madeira na fermentação e no envelhecimento do vinho, enfim, aquele que responde pelo resultado final que chega à mesa do consumidor.
Não se trata de sommelier, aquele que trabalha em importadoras, lojas publicações especializadas e em restaurantes, responsável pela carta de vinhos e por orientar o consumidor em suas escolhas para uma máxima experiência enogastronômica.
Não se trata ainda de ampelógrafo, o estudioso de videiras que pesquisa e escreve sobre elas, nem de viticultor, que, na difícil cultura da vinha, mistura ao solo (onde as raízes se precipitam em grandes profundidades em busca de nutrientes), seu suor, suas lágrimas e às vezes seu sangue, literalmente ou não - e vamos poder falar disso também na coluna-, de onde emerge a videira e as uvas que dão origem a vinhos comuns e a vinhos maravilhosos, alguns inesquecíveis, porque invariavelmente entrelaçados a momentos marcantes de nossas vidas, no mais das vezes positivamente.
Como exemplo de exceção a essa hipótese dos grandes vinhos associados a momentos felizes, em Sideways- filme sobre a bebida, pessoas e a relação entre eles-, que teve por cenário o Napa Valley californiano, o personagem Miles, em crise existencial, vai a um fast food ordinário para, em profunda prostração, desarrolhar uma garrafa do mítico Chateau Cheval Blanc 1961 - até então empoeirada em adega à espera de futuros momentos gloriosos-, e ali, na ânsia de aplacar a dor que o desalentava, em infame copo de papel sorve o precioso néctar em goles sôfregos, sem a pompa e circunstância de que aquela garrafa em especial era merecedora. A situação do pobre personagem só comprova o acerto de Winston Churchil quando sabiamente disse: “não posso viver sem champagne: na vitória o mereço, na derrota preciso dele”.
Enfim, divagações à parte, após a leitura de boas dezenas de títulos e publicações relevantes sobre o tema, tendo buscado na ABS/SP (Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo), assim como em eventos relacionados aos vinhos, degustações, cursos e contato com pessoas que compartilham o mesmo interesse no conhecimento e na troca de experiências, talvez deva eu admitir ser apenas e não mais do que a razão última dessa indústria milenar, tão antiga quanto os primeiros esforços do homem no campo. Talvez seja apenas um entusiasta “bebedor”, o consumidor no fim da cadeia produtiva.
Como há bebedores de várias estirpes, vale dizer que talvez seja eu, e possivelmente muitos dos leitores deste sítio, daquele que não se satisfaz apenas com o prazer que se possa extrair de uma boa bouteille de vin, mas do tipo que busca o que há de interessante no entorno dessa bebida, as variedades de uvas, as apelações com suas regras de vinificação, os grandes varietais e assemblages do velho e do novo mundo, a harmonização com pratos, o serviço do vinho, o que decorra desses temas em animadas conversas entre amigos sempre regadas por esses néctares, as anedotas e curiosidades, a intersecção do tema com o cinema, a literatura, a economia, as polêmicas, a sua função facilitadora do bem viver, além do hábito de seu consumo moderado que tão bem à saúde pode fazer, conforme inúmeros estudos científicos comprovam, a desconstrução de mitos que desinformam, a desmistificação da bebida em torno da qual ainda gravitam arrogantes e exibicionistas que prestam um desserviço à causa do vinho.
E sendo assim, agora já na primeira pessoa do plural, talvez, caros leitores, não sejamos apenas bebedores, quem sabe um pouco mais: a um passo adiante, possivelmente sejamos apreciadores que, aos poucos, vão se aprofundando no conhecimento do vinho, ainda que sem vínculo profissional com a indústria, para simplesmente viverem de forma mais plena, requintada e feliz. E para essa posição, nos vários níveis de envolvimento das pessoas ligadas de algum modo ao vinho, caros leitores, há um nome que pode nos ser atribuído sem maiores consequências e comprometimento de nossas reputações. Talvez sejamos simplesmente enófilos.
Os enófilos são amantes do vinho, que o estudam por prazer em suas inúmeras frentes de interesse, em que pese alguns deles irem além disso para se dedicar ao comércio da bebida ou a outras atividades como, por exemplo, promover a troca informações e experiências sobre o vinho em confrarias ou mesmo através de redes sociais, como aqui se pretende fazer.
Minha experiência com o vinho nasce da paixão pela história da humanidade, pela rica e diversa geografia do planeta que, no caso do vinho, desempenha papel fundamental, pela poesia, literatura. Pelas artes cênicas onde a bebida é sempre referenciada, seja como protagonista, por exemplo, em “Julgamento de Paris”, de Randal Miller (que relata fato histórico de tintos e brancos americanos sobrepujando vinhos franceses em degustação à cegas em Paris, 1976, mostrando ao mundo a possibilidade de se fazer vinhos de alta gama fora da França), seja como coadjuvante, em “Janela Indiscreta”, de “Alfred Hitchcock” (em que J. Stewart, entrevado num cadeira de rodas, recebe de Garce Kelly uma garrafa de Borgonha branco para degustá-la enquanto bisbilhota a cena da vizinhança).
Esse interesse nos temas do vinho está pautado ainda no papel político e civilizatório que a bebida vem desempenhando na evolução dos povos (e relacionado ao tema, vide, por exemplo, em “Vinho e Guerra”, de Don & Petie Kladstrup, da J. Zahar Editor, o esforço nazista para que o vinho francês estivesse à disposição do esforço de guerra alemão na II Guerra Mundial e a luta dos franceses para a proteção do que era por certo um dos maiores tesouros da França).
Lançadas essas premissas, assim como a de que no vasto e mutante mundo do vinho se faz impossível saber tudo o tempo inteiro, concordantes em que aqui, como enófilos, somos antes de tudo, e apenas, eternos aprendizes, ainda que alguns de nós sejamos apaixonados em maior ou menor grau pelo tema, convém o consenso de que nesta coluna se construa um espaço de troca de informações, para que de lado a lado elas fluam e levem ao aprimoramento do conhecimento que temos da bebida, ainda que tal resulte do debate – síntese, tese e antítese -, de modo a que tanto a opinião do colunista como a dos caros leitores esteja aberta à possibilidade de revisão.
Tal é a gama de informações sobre os temas relacionados ao vinho que assim se manifestou, com humor, importante colunista britânico: “É melhor receber a notícia ruim primeiro: portanto...bem vindo a o caos em escala interplanetária. Pode discordar, se quiser, mas eu diria que não existe nenhum outro produto mais diversificado, confuso, flutuante, imprevisível, inescrutável e, finalmente, mais incognoscível do que o vinho. A última fronteira da anarquia comercial...Isso nunca mudará. Há muito me conformei com o fato de que nunca conhecerei tudo sobre vinhos e que o melhor que posso esperar é uma familiaridade passageira com algumas áreas transitórias da galeria principal”. (Andrew Jefford, em “101 Dicas sobre Vinho que você precisa Saber”, pág. 104, edição 2000, Editora Mandarim).
A ainda incipiente tradição do brasileiro no consumo da bebida agrava a desinformação, de modo a exigir seletividade nos dados que neófitos e mesmo iniciados vão incorporando ao cabedal de conhecimento sobre a matéria: “Já se disse mais bobagem sobre vinhos do que sobre qualquer outro assunto, com a possível exceção do orgasmo feminino e da vida eterna. (Luis Fernando Veríssimo, A mesa voadora, 1982).
Portanto, caros leitores, a prática que aqui se propõe, qual seja a de troca despretensiosa de informações sobre o vinho e seu entorno, tem o potencial de nos aproximar do que se possa chamar de conhecimento da matéria, afastando-nos, por consequência, da enormidade de desinformação que ainda campeia entre os consumidores iniciados ou não. Que então nossos eventuais equívocos de lado a lado possam aqui suscitar o ajuste, a moderação e a empatia que nos conduza ao aperfeiçoamento do quanto sabemos sobre esses temas.
De minha parte sempre serão bem vindas indagações, provocações, correções, complementações e sugestões que os caros internautas entendam interessantes nesse processo de troca, pois aí residirá por certo uma das várias oportunidades de crescimento.
O nome provisório da coluna será simplesmente “Vinhos”. Provisório, não porque o colunista não tenha sugestões para um nome definitivo, mas porque espera dos leitores sugestões, como passo inicial da interação que aqui propõe. Interessante que o nome, seja qual for, remeta à bebida, ainda que para tanto o “vinho” integre o título da coluna.
Semanal será a postagem de dicas gerais e de notas de degustação de vinhos, assim como esporadicamente de outras bebidas que apresentem características dignas de nota, tais como cervejas premium, cafés etc, assim como quinzenal será a postagem de textos de conteúdo mais abrangente ou notícias.
Além da coluna veicular dicas, curiosidades, frases, espera-se poder tratar, ainda que de maneira superficial, temas como:
- cultura do vinho, o vinhedo, as variedades de cepas mais relevantes;
- velho e novo mundo e suas regiões produtoras;
- história do vinho;
- serviço do vinho;
- harmonização;
- degustação;
- o que por ventura sugerir o leitor, desde que esteja ao alcance do colunista etc.
Na medida do possível, será indicada bibliografia para o aprofundamento dos interessados nos temas abordados.
Bons brindes em boas taças e sejam felizes!
Miguel Cordeiro Nunes é advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, com especialização em direito Processual Civil PUC-COGEAE e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, pelo IBMEC. Atua no setor financeiro e bancário em instituição financeira. No ramo do vinho, além de frequentar a feiras, eventos e degustações, conciliar objetivos turísticos de viagens nacionais e internacionais com visitas a vinhedos e produtores, cursa os módulos do curso de Formação de Sommeliers e Profissionais, ministrado pela ABS/SP - Associação brasileira de Sommeliers de São Paulo. Contato: miguelcn@terra.com.br