Em um primeiro momento, A Discovery of Witches pode soar como qualquer outra série do gênero sobrenatural televisionada nos últimos anos: temos uma protagonista que desconhece o alcance do seu poder de bruxa, um vampiro milenar com um sotaque muito sexy, um livro mágico desaparecido e criaturas à espreita. No entanto, a série baseada na Trilogia das Almas da autora Deborah Harkness consegue ir muito além do mero clichê do amor proibido entre seres mágicos, perseguidos pelos seus, e é capaz de entregar uma produção que instiga o seu público ao mesmo tempo em que nos faz sempre desejar por mais.
Diana Bishop (Teresa Palmer) é uma doutora em história muito respeitada, mas que sempre sentiu que havia algo faltando em sua vida. Filha única de pais bruxos, se tornou órfã aos sete anos de idade e foi criada por sua tia Sarah (Alex Kingston) e a esposa, Emily (Valarie Pettiford). Devido à maneira traumática como perdeu os pais, Diana passa a rejeitar suas raízes mágicas e torna-se determinada a parecer o mais comum possível, misturando-se com os humanos da melhor forma que consegue. Diana dedica-se aos estudos com afinco e é muito respeitada em sua área, conduzindo pesquisas na renomada Universidade de Oxford enquanto consulta os arquivos da Biblioteca Bodleiana. Durante suas pesquisas, ela se depara com um antigo manuscrito de alquimia, até então desaparecido, o Ashmole 782: Diana é a única pessoa, em séculos, a ver o manuscrito, o que revela um poder imenso que chama atenção de demônios, vampiros e bruxas. É a partir desse momento que Diana vê sua vida tão calculadamente normal virar de cabeça para baixo quando se torna alvo de todas as criaturas sedentas pelo conteúdo do livro.
Uma dessas criaturas – forma como são chamados vampiros, bruxas e demônios nesse mundo – é Matthew de Clairmont (Matthew Goode), um vampiro que anda pela Terra há mais de 1500 anos. A descoberta do Ashmole 782 faz com que Matthew se aproxime de Diana, mas se a princípio seu interesse é apenas o livro, o poder e os segredos que estão em suas páginas, logo os sentimentos do vampiro se transformam em algo diferente ao passo que conhece melhor a historiadora. Diana, enquanto isso, sente que as boas maneiras de Matthew, seu jeito polido e galanteador de agir nada mais são do que pretextos para chegar ao livro, mas ela também não demora a se deixar atrair por ele. Matthew sabe que Diana é uma bruxa poderosa justamente por ter conseguido invocar o livro desaparecido mesmo que sem querer, mas ela reluta até o último instante para se reconciliar com sua verdadeira natureza – o que a leva quase ao ponto de sofrer as consequências por ser ignorante no que se refere ao domínio da magia, colocando sua vida em risco algumas vezes.
A Discovery of Witches pode até evocar a Saga Crepúsculo e os melhores anos de The Vampire Diaries, mas a diferença primordial entre a série da Sky One e suas predecessoras reside justamente em sua protagonista: Diana Bishop pode até não ter seus poderes em completo controle no início dessa trama, mas ela não ocupa o posto de donzela em perigo em nenhum momento. Antes de se ver parte de um enredo muito maior do que ela, Diana é uma professora e pesquisadora competente, é uma mulher em pleno domínio de sua vida e ainda que no livro em que a série é baseada ela seja descrita como prodígio, sendo admitida em uma faculdade aos dezesseis anos e dona de memória fotográfica, na série a personagem não tem todo esse pano de fundo em que se apoiar. Diana é, em contraparte, a última bruxa da poderosa linhagem dos Bishop, mas até que ela retome as boas relações com sua parte mágica, isso não quer dizer muita coisa pra ela – pelo menos até o Ashmole 782 surgir em sua vida.
Quando Diana retira o livro na Biblioteca Bodleiana ela é capaz de sentir a magia impregnada em suas páginas, mas devido aos problemas que tem com coisas mágicas, decide devolvê-lo ao seu lugar de origem. Mas isso não a impede de despertar o poder contido no manuscrito, o que chama a atenção de todas as criaturas mágicas nas redondezas, interessadas no encadernado. O que Diana não sabe, por ignorar sua herança mágica, é que o Ashmole 782 é importantíssimo para bruxas, vampiros e demônios justamente por conter as respostas a respeito da origem de cada um deles e, por consequência, a maneira mais eficaz de destruí-los. Algo tão poderoso não pode cair nas mãos erradas, por isso Diana e Matthew acabam se unindo, de maneira relutante no começo, para evitar que o manuscrito seja apropriado por criaturas com ideais nada altruístas.
No mundo de A Discovery of Witches, bruxas e vampiros se odeiam, enquanto demônios são considerados criaturas de segunda classe. Ainda que suas leis sejam regidas pela centenária Congregação – conselho formado sempre por três bruxos, três vampiros e três demônios – não é raro que disputas aconteçam entre eles. É por conta desse tipo de conflito que cada uma das criaturas tem interesse em tomar posse do livro, visto que os clãs querem ter poder uns sobre os outros, colocando a existência de seus adversários em cheque. Como se não bastasse existir uma centenária disputa por poder, o relacionamento entre criaturas diferentes é proibido, o que coloca mais um alvo nas costas de Diana – primeiro, por ter encontrado o Ashmole 782 quando ninguém mais conseguiu, e segundo, por ter se apaixonado por Matthew (…).
De maneira geral, A Discovery of Witches se revela um bom entretenimento: tem personagens carismáticos, uma protagonista que não apenas salva a si mesma mas o poderoso vampiro também, além de cenários de tirar o fôlego. Sua trama a respeito do manuscrito mágico é interessante de acompanhar, mas o roteiro precisa deixar de ser tão literal, visto que apontar obviedades acaba incomodando em alguns momentos. O formato enxuto, com oito episódios, faz com que a trama se desenvolva com agilidade, o que não deixa o público entediado, mas peca ao deixar todas as explicações sobre a mitologia de maneira muito didática – os roteiristas precisam acreditar que seu público, mesmo sem ter lido a Trilogia das Almas, será capaz de compreender e acompanhar a jornada de Diana Bishop. A trama se apoia em vários clichês do gênero, mas isso não é de todo ruim: nós sabemos de antemão que certas ações terão certos desdobramentos simplesmente por termos visto antes em outras produções, mas não é algo que prejudique a trama como um todo. A Discovery of Witches iniciará as filmagens de sua segunda temporada em abril de 2019 e, enquanto isso, com alguns mistérios deixados em aberto – principalmente no season finale -, só nos resta aguardar para descobrir o que o futuro – ou o passado, no caso – reservam para Diana, Matthew e todas as criaturas.