Novidade do XI FEVERESTIVAL: abertura de inscrições para grupos de todo o pais a partir desta 2ª

Festival Internacional de Teatro de Campinas acontece de 31 de janeiro a 13 de fevereiro/2015 com mais de 60 atrações

 

Com mais de 60 atrações em 15 dias de intensa maratona cultural, o XI FEVERESTIVAL (Festival Internacional de Teatro de Campinas) – que será realizado de 31 de janeiro a 13 de fevereiro de 2015 –, chega com novidade: o edital para chamamento de espetáculos de todo o país, com inscrições abertas a partir desta segunda-feira (10/11), até 3 de dezembro, no site www.feverestival.com.br.

O regulamento, também disponível na página eletrônica, prevê quatro categorias: espetáculo adulto (3 selecionados), espetáculo infantil (2), espetáculo de rua (3) e cenas curtas (12), nesta última categoria podem se inscrever: cenas teatrais, cenas de dança, números musicais ou circenses, contação de história, narrações, instalações, intervenções performáticas etc, com duração de no máximo 15 minutos.

“A abertura de edital – já realizado em edições anteriores, com exceção da 10ª, que foi uma edição comemorativa –, possibilita que o Festival atinja seu principal objetivo que é de fomentar e divulgar trabalhos de teatro realizados por grupos de pesquisa. Tanto de coletivos já solidificados no mercado quanto de novos artistas”, afirmam as diretoras do FEVERESTIVAL, Cynthia Margareth e Érika Cunha.

Esta edição traz como fio condutor o motivo “Cenários Compartilhados”, com uma programação que procura levantar discussões sobre a relação entre o homem e as fronteiras sociais, políticas, culturais e artísticas, tornando o festival mais permeável e interdisciplinar com outras áreas do saber artístico e do conhecimento filosófico e científico. “Dentro da temática, nossa proposta é romper barreiras físicas e virtuais, para criar um festival de múltiplas linguagens - teatro, dança, circo, performance, fotografia, grafite e artes visuais”, definem.

Os espetáculos inscritos serão analisados e escolhidos por uma curadoria composta por dois representantes do Núcleo FEVERESTIVAL, um representante do SESC SP e mais quatro curadores convidados.

A escolha será feita conforme os critérios de qualidade artística; coerência da proposta com os princípios e características do evento e da temática proposta pelo festival, e viabilidade da proposta segundo as possibilidades técnicas.

Os espetáculos selecionados receberão um cachê/ajuda de custo de R$ 4.500,00 e as cenas curtas, R$700,00, para viabilizar a participação no FEVERESTIVAL.

O resultado será conhecido no dia 16 de dezembro/2014 no sitewww.feverestival.com.br.

 

Diálogo cultural

O núcleo de organizadores e curadores preparou a programação do festival partindo do desejo de estimular jovens artistas-criadores, de estabelecer oportunidades de convívio e de criar um público diferenciado para as artes. “Esses desejos fazem do FEVERESTIVAL um evento inovador, singular e de extremo sucesso”, destacam as diretoras, lembrando que a maior motivação é o “diálogo cultural na cidade, reforçando os encontros artísticos que motivam sua realização desde a primeira edição”.

As intervenções irão acontecer em mais de 20 locais diferentes, diversos espaços culturais de Campinas e também locais inusitados em bairros centrais e periféricos, terminais urbanos, aeroporto, rodoviária, pontos de ônibus, ruas, entre outros. A expectativa é de atingir mais de 40 mil espectadores.

O FEVERESTIVAL prevê ainda a realização de cursos práticos e teóricos, com inscrições abertas ainda neste ano. As informações estão disponíveis no site.

Essa é a primeira edição que o Festival é contemplado nos editais públicos estadual (PROAC) e municipal (FICC), além de manter a parceria com o SESC e a Prefeitura Municipal de Campinas.

 

O Líquido Amor

Quando em 1982 Marshall Berman publicou “Tudo O Que É Sólido Desmancha no Ar” (ed. Simon & Schuster), registrou como subtítulo “a  aventura da modernidade”. Que aventura? Encontrar-se numa situação de  vertigem diante da atividade e energia do mundo moderno. Uma situação que denota a liquidez, o estado líquido do mundo – metáfora aberta sobre a perda das tradições. Pinceladas de Pollock ou desfragmentação de um homem descendo as escadas, como no quadro de Duchamp. Mancha. Aventura e liquidez encontram-se a partir do momento em que conhecemos a vertigem. “Um corpo que cai”, créditos iniciais: imensa espiral vertiginosa  na “velocidade incrível da queda”. Hitchcock produz um filme moderno para um tema adiantado. Cidadão Kane e a Tropicália. Em “A Arte do Romance” Milan Kundera nos interroga: "O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaústra sólida?  Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados." A partir do momento em que a tradição é –  literalmente – “traída”, estamos livres. A liberdade é uma ocorrência líquida do espírito e da sociedade como um todo. Insatisfação é desejo de liberdade no contexto da tradição: tradire, traire. Entre tradição e traição, uma falácia. Os relacionamentos amorosos se configuram em permanentes traições na aventura da modernidade? O espírito em estado líquido espalha-se, alcança a política. Berman cita logo no prefácio: “Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e frequentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades”.

Um pequeno trecho de uma entrevista a Bauman: “Tudo é temporário. É por isso que emerge a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: uma incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "autoevidentes". As coisas todas -empregos, relacionamentos, know-hows etc.- tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis”.

Vertigem, liquidez, desmembramento, são o circuito sentimental dessas novas possibilidades. A situação em que - se você for pegar com as mãos - sequestrar o momento, ele já foi. E não necessariamente para frente, para o futuro. A líquida vida moderna é a constante ameaça da destruição. Alarmismo interno, externo, eterno. Insegurança e fragilidade, tudo o que não é possível  permanecer-se sólido. Sentimentos oficiais desfigurados. O fetichismo de mercado é exatamente essa sensação efêmera do que consumimos, sentimos prazer, descartamos e a seguir desejamos mais e melhor. Líquida bolha dos desejos, o perigoso encaminhamento das coisas. O exagero da ciência que como diz Gilberto Gil não avança, mas encontra a natureza, é o desenvolvimento da nulidade da sensibilidade – um xilindró. “Portanto, não só a sociedade moderna é um cárcere, como as pessoas que aí vivem foram moldadas por suas barras; somos seres sem espírito, sem coração, sem identidade sexual ou pessoal — quase podíamos dizer: sem ser” – esta é a vertigem do líquido mundo moderno. Não que seja um problema exclusivamente contemporâneo. Os problemas de hoje tiveram que transitar por séculos a fim de tomar frente aos rebentos da sociedade. Assim são os tabus. Casamento homossexual, por exemplo, é uma formalidade em questão atual, mas desde sempre na história humana isso é natural. O amor segue mal definido, mas hoje se tem uma noção de que a principal referência tradicional tem que ser revista. Não serve mais como modelo o 'amor divino' - ele é perfeito e inalcançável, algo inacessível para os humanos. O amor líquido do Bauman tem sua razão de ser, é uma boa reflexão sobre a fragilidade dos vínculos, mas parte da premissa de que antes os laços eram mais firmes e estáveis - eram, realmente? Ou ficava no discurso? O fato de se ter relações mais longas não significava que eram genuinamente amorosas... Inclusive no “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels há uma metáfora que concerne tanto o “monstro” que criamos (a vida líquida moderna) quanto o amor líquido (o bug do milênio, a catástrofe das aproximações): “É como o feiticeiro incapaz de controlar os poderes ocultos que desencadeou com suas fórmulas mágicas” (Manifest der Kommunistischen Partei). A modernidade é o transitório, o pendente. Em “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire, podemos encontrar o seguinte verso: “a forma da cidade muda bem mais que o coração de uma infiel.” Fluido intercâmbio do homem com o borrão que o cerca: sua cidade. Já na ópera de Verdi temos a famosérrima “La Dona é Mobile” – a mulher é instável.  circunstância dionisíaca já sem gênero atualmente – o homem é Mobile. O Celular é Mobile – a comunicação social é a bagagem de cigano, o nômade, o instável, o homem que deve levar o Bonsai para apresentar a árvore de seu país ao outro – arquivo compacto, transferência, Zip. E o cinema? Onde cabe a janela de um palácio ou o templo de Zeus no Olimpo numa nano-janela atual, a tela de um celular? O som no fone de ouvido pode ser i-Max. Mas o máximo do cinema, sem dúvida, não permanece no num i-Max. Tarkovski, por exemplo, não cabe nos limites 4:3 da televisão paga. Por isso que o  Telecine Cult não exibe Tarkovski. Entre bordas, amor líquido promove o transbordamento da vida. Característica do cinema moderno e pós-moderno: linguagem moderna. Linguagem moderna contém ironia. Ironia dos gif’s, dos tumblers, dos sites de humor ácido, dos quadrinhos de Angeli, Laerte, Iturrusgarai. Linguagem moderna, cinema moderno, a vida (real) moderna. “Não surpreende, pois, como afirmou Kierkegaard, esse grande modernista e antimodernista, que a mais profunda seriedade moderna deva expressar-se através da ironia. A ironia moderna se insinua em muitas das grandes obras de arte e pensamento do século passado; ao mesmo tempo ela se dissemina por milhões de pessoas comuns, em suas existências cotidianas.” Abaixo dois parágrafos contundentes do livro de Marshall Berman: Tomemos uma imagem como esta: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. A ambição cósmica e a grandeza visionária da imagem, sua força altamente concentrada e dramática, seus subtons vagamente apocalípticos, a ambiguidade de seu ponto de vista — o calor que destrói é também energia superabundante, um transbordamento de vida —, todas essas qualidades são em princípio traços característicos da imaginação modernista. Representam com exatidão a espécie de coisas que estamos preparados para encontrar em Rimbaud ou Nietzsche, Rilke ou Yeats — “As coisas se desintegram, o centro nada retém”. De fato, essa imagem vem de Marx; não de qualquer esotérico manuscrito juvenil, por muito tempo inédito, mas direto do Manifesto Comunista. Essa imagem coroa a descrição que Marx faz da “moderna sociedade burguesa”. As afinidades entre Marx e os modernistas tornam-se ainda mais claras quando observamos a passagem inteira de onde a imagem foi extraída: “Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens”. A segunda cláusula, de acordo com a qual se destrói tudo o que é sagrado, é mais complexa e interessante do que a convencional assertiva materialista do século XIX segundo a qual Deus não existe. Marx se move na dimensão do tempo, tentando evocar o próprio curso de um drama e um trauma históricos. Ele diz que a aura de santidade subitamente se ausenta e que não podemos compreender a nós mesmos no presente sem nos confrontarmos com essa ausência. A cláusula final — “e os homens são finalmente forçados a enfrentar...” — não apenas descreve a confrontação com uma realidade perturbadora, mas vivifica-a, forçando-a sobre o leitor — e, de fato, sobre o escritor também, já que “homens”, die Menschen, como diz Marx, estão todos aí juntos, ao mesmo tempo agentes e pacientes do processo diluidor que desmancha no ar tudo o que é sólido.

Onde faremos um coeso cruzamento entre a destruição dos valores, a líquida vida moderna, o cinema e o amor? Som e imagem. Glauber Rocha diz em uma entrevista: “Não é teatro, não tem história. O cinema não precisa contar uma história. O filme é para ver e para ouvir, é um barato audiovisual”. 


Vitor Steinberg

Vitor Steinberg

Formado em cinema e história das artes pela FAAP, foi convidado por José Celso Martinêz Correia para trabalhar no Teat(r)o Oficina enquanto lia Paul Valéry em uma praia no sul da Bahia. Permaneceu na associação por três anos operando como editor de vídeo, dramaturgo e fotógrafo.