Vivemos uma onda de bandeiras içadas em protesto e guerra contra algumas ideias que já vêm sendo utilizadas pela humanidade há algum tempo: o glúten agora deve ser eliminado, abaixo as cesáreas mercenárias e, melhor nessa vida é não tomar remédio do que tomar certo?
Não. Errado. É dessa última bandeira que vamos falar hoje.
Primeiro precisamos resgatar qual a função original e primordial de um remédio: curar. Desde o início da humanidade, pessoas dedicam suas sabedorias a criar fórmulas que minimizem ou acabem com o sofrimento causado por moléstias, também por isso vivemos mais e com mais saúde. Isto posto, temos que a medicação, desde o começo, é solução (ou faz parte dela) e não problema.
Não confundam, problema é o que uma medicação mal administrada causa e não a própria em si. Claro que existem efeitos colaterais advindo das substâncias químicas, mas também estes advém de tantas outras práticas: alimentares, uso de substâncias rejuvenescedoras, estimulantes para práticas físicas, etc., etc., que, mesmo com tais efeitos, não podemos generalizar e evitar medicações a todo custo, como se estivéssemos ingerindo veneno, aos poucos. Não estamos também falando aqui de casos específicos de pessoas que têm comprovadamente intolerâncias a tipos de substâncias, estamos falando de um conceito geral.
Na área da psiquiatria e psicologia temos visto com frequência a resistência das pessoas ao uso de medicações psicotrópicas. Na maioria das vezes isto ocorre por falta de informação ou informações equivocadas que acabam por formatar um conceito errôneo sobre essa categoria.
Os medicamentos mais utilizados para tratamento das alterações nestas áreas são os antidepressivos, ansiolíticos (popularmente chamados de calmantes), estabilizadores de humor e anticonvulsivantes. Todos eles, se bem orientados e acompanhados devidamente pelo médico capacitado para isso (psiquiatra) são altamente valiosos no tratamento das patologias psiquiátricas que deve abranger também na maioria das vezes a psicoterapia.
Frequentemente o processo de conscientização e mudança impresso pela psicoterapia encontra muita dificuldade de engajamento se o indivíduo se encontra em um estado de desequilíbrio bioquímico que o incapacita. Imaginem tentar uma abordagem de enfrentamento comportamental com um cara que não consegue levantar da cama para trabalhar. É aí que o remédio aparece em boa hora. Ele tem como papel reestruturar quimicamente o humor para que haja força mínima suficiente e o processo de reconstrução e mudança tenha chance de acontecer. O mesmo aconteceria em outro exemplo, com a pessoa que desenvolve um transtorno de ansiedade e paralisa sua vida por conta disto. A medicação ajuda a atenuar os sintomas, reorganizar as substancias químicas no cérebro e aí então o organismo estará mais apto a perpetuar sua cura através de mudanças em si mesmo e em seu ambiente.
É como se a medicação fosse um empurrão para que a gente engate primeira e desça no tranco até o carro pegar. Quando o carro pega, cabe a nós manuseá-lo da melhor maneira e o empurrão inicial se torna desnecessário.
Procure sempre um psiquiatra para ajudar com esse tema. Seu psicoterapeuta também deve estar preparado para orientá-lo. O psicotrópico muitas vezes não é fácil de acertar, mas isso não quer dizer que não funcione ou não sirva para você. Considere fazer outras tentativas para chegar a um bom resultado.
Não vamos transformar em problema o que faz parte da solução. É só usar com orientação.
Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos
Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo.
Psicoterapeuta comportamental há 15 anos em consultório privado e, desde 2011, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil.
Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado. Email: fbvpsicologa@gmail.com