Série divertida e gostosa de assistir e mostra o universo das Dominatrix e descarta preconceitos sobre o assunto.
“A série “Amizade Dolorida” (Bonding), original Netflix, foi adicionada no catálogo do streaming nesta semana. A comédia apresenta a vida de Tiff (Zoa Levin), uma jovem que estuda psicologia de manhã, mas que reserva a noite para trabalhar como dominatrix. O termo não é tão conhecido como se imagina: “não sabia nem que essa profissão tinha nome”, me confessou uma amiga. Com episódios curtos (o menor deles tem 13 minutos de duração), “Bonding” é escrita, dirigida e produzida por Rightor Doyle, que colocou suas experiências de vida como base para a história.
Durante o ensino médio, Tiff e Pete (Brendan Scannell) eram melhores amigos. Quando começaram a vida adulta, seguiram rumos diferentes e a amizade dos dois perdeu o fôlego. “Amizade Dolorida” se inicia quando a protagonista resolve ligar para Pete, anos depois, oferecendo uma vaga de emprego como assistente de Telemarketing. Recém-saído do armário, Pete aceita a proposta para poder pagar sua parte do aluguel que divide com outro colega.
O reencontro dos personagens principais, que deveria ser um motivo para resgatar a amizade dos dois, se torna complicado quando Pete percebe que Tiff mentiu sobre o seu trabalho. Na verdade, Tiff é uma conceituada dominatrix de Nova York e precisa que o amigo colabore em seu negócio de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). A explicação que Tiff dá ao amigo pode ser usada, em paralelo, para outras questões retratadas na produção, como o bloqueio das pessoas na hora de ultrapassar limites na vida. “Se eu te falasse o que faríamos antes de fazermos, você não toparia”, diz em cena. Por prender o telespectador no sofá com piadas bem construídas, o único defeito que realmente incomoda na série é que ela acaba.
“Amizade Dolorida” apresenta o universo das práticas sexuais pouco mencionadas publicamente, vistas como estigma pela maioria das pessoas. A especialista que atua na área, representada por Tiff, serve de "guia" sexual, dominando a pessoa e respeitando os limites impostos. A série não é, nem de longe, parecida com a franquia “50 Tons de Cinza”, longa que retrata a relação do empresário bilionário Christian Gray (dominante) e da estudante de literatura, Anastasia Steele (submissa).
Primeiro que, em “Amizade Dolorida”, Tiff deixa claro para seus clientes que ela não se envolve sexualmente com nenhum deles e nem pode ser tocada, afinal, o seu trabalho difere do oferecido por profissionais do sexo. Uma dominatrix transforma as fantasias em realidade, seja ela amarrar ou dar ordens, por exemplo. A tortura é proibida. Os episódios não estão diretamente relacionados com a prática de BDSM dentro de um relacionamento romântico, como aconteceu no cinema, mas, sim, com o mundo de quem se interessa por coisas pouco convencionais e os tipos de desejos que as pessoas omitem por conta da sociedade.
Outro fator que é válido na série e que se distancia da adaptação cinematográfica é que o indivíduo que age como dominante é a protagonista, ou seja, o gênero feminino em nenhum momento é visto com inferioridade. Por ser um tema pouco retratado na TV e no cinema, algumas cenas podem trazer certo desconforto e incômodo para o público desacostumado, já que a dor física (moderada) é mostrada como fonte de prazer. O assunto não é tratado como uma anomalia, as escolhas dos clientes nunca são julgadas, pelo contrário, eles são incentivados a se descobrirem e conhecer o próprio corpo. Isso é o ponto alto da produção. As atuações são marcantes e a participação de D’Arcy Carden é uma ótima e inesgotável motivação de riso, ainda que não esteja fazendo nada que já não tenha feito em “The Good Place”.
O contraste está no corte brusco do gênero apenas no último episódio. O público pode dar risadas durante toda a temporada, mas nos momentos finais o suspense/drama toma conta e causa uma tensa estranheza. A versão vilanesca do que seria Christian Gray (50 Tons de Cinza), embora tenha aparecido uma vez no início da história, acaba sendo inserido no contexto aleatoriamente – mesmo fazendo sentido. É interessante mostrar os contras da profissão da protagonista. Apresentar o perigo apenas no final da trama, com sangue mal inserido no cenário, é um problema que não afeta o todo, porém não deixa de ser perceptível.
Assim como em “Special”, também original da Netflix e lançada esse mês “Amizade Dolorida” possui baixa duração por episódio – média de 14 minutos – e pode ser maratonada em uma única manhã. A série termina com aquele gostinho de ‘quero mais’ e não fala apenas sobre sexo, usando esse contexto para aprofundar nas dificuldades que a dupla enfrenta fora do ‘escritório’ e como eles podem superar os medos e as limitações da vida, correndo juntos e de mãos dadas”.