“É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção”, dizia o escritor Rubem Alves em um de seus textos. É uma constatação alarmante, tendo em vista que a maioria das pessoas não escuta bem.
E não se trata aqui de um problema de audição e sim de apropriação e desapropriação.
Apropriar-se do que o outro está falando antes mesmo de emitir julgamento, sem antes mesmo compreendê-lo. O escutar passa em primeiro lugar pelo “sair do meu mundo de certezas e dar uma chance ao seu”.
Acontece que “abrir mão do meu mundo de certezas” momentaneamente significa desproteger, abaixar a guarda, é como se nos deixasse vulneráveis na impiedosa competição da vida. Esta abertura, uma trégua na guerra do quem sabe mais, precisa ser compreendida como necessária e saudável, na medida em que nos movimenta fora de nossas convicções e nos retorna a elas se pertinente. Mais ainda, nos permite rompê-las quando necessário, que maravilha!
A convivência é, infelizmente, uma armadilha à boa-escuta. Ao viver cotidianamente com alguém, desenvolvemos a tendência a estruturar e categorizar suas características. Claro que há necessidade em algum grau de mapear com referências cada um próximo a nós, até porque podemos usar isto para o bem, para a administração do viver junto. Mas é comum também que esta referenciação se torne engessamento e, a partir dali, obedecemos à regra que criamos independente da realidade.
Realidade é multideterminada.
Categorização é (mini) determinada, é amostra, é padrão, não verdade absoluta.
Não podemos sempre achar que o fulano fez isso porque é assim e não considerar mais nada. Erro perigoso. O automatismo que toma conta de nós e nos tira a possibilidade de viver um evento de cada vez, considerando tudo o que o envolve, nos escraviza. A tomada de consciência desta rigidez destranca a porta, o treino, o engajamento do “novo agir” abre a jaula.
Vamos exercitar o ouvir-primeiro, pensar-depois.
Investigar-primeiro. Concluir-depois.
Olhe em volta, não “dentro”. Depois volte para “dentro” e defina aquele episódio. Tenha a certeza de que pelo menos foi justo com o mundo de todos.
Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos
Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo.
Psicoterapeuta comportamental há 15 anos em consultório privado e, desde 2011, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil.
Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado. Email: fbvpsicologa@gmail.com