"O romance de Lygia nos proporciona proveitosos momentos de reflexão. Os conflitos que envolvem os personagens nos levam ao encontro de nós mesmos, são sentimentos e sensações inerentes à própria condição humana, independente da época ou da condição social em que cada um se situa.
A narrativa está centrada num acontecimento familiar: o desmembramento da família de Virgínia, a protagonista. Devido à doença da mãe e a situação econômica precária da família, Virgínia é levada a deixar a casa onde mora passando então a viver com suas irmãs e com aquele que sempre lhe fora apresentado como pai. A partir desse momento, seus conflitos, medos e ansiedades são intensificados, pois é na nova casa que Virgínia se depara com a solidão e sofre suas piores angústias. Além disso, acontecimentos dramáticos como a morte de sua mãe e o suicídio de seu suposto padrasto - na verdade seu pai - faz surgir em Virgínia um sentimento de culpa, o que aumenta ainda mais seu drama.
O título do livro ilustra perfeitamente as relações conflituosas que envolvem os personagens que compõem a narrativa. Comecemos então a visualizá-lo a partir do seu intrigante título: “Ciranda de Pedra”. Como duas palavras que, segundo nosso imaginário, nos remetem a concepções tão distintas podem juntas dar sentido a todo um enredo? No primeiro instante, observamos que o título se refere a uma ciranda de anões de pedra que existe ao redor de uma fonte situada no jardim do casarão onde Virgínia passa a viver. No entanto, durante a leitura vamos compreendendo o quanto este objeto está metaforicamente entrelaçado ao comportamento dos personagens, simbolizando a atitude de um grupo específico que, ao fechar-se diante da presença de outros indivíduos, compõe uma “ciranda”. Nesse primeiro momento do romance, a presença de Virgínia não é aceita no grupo. Já num segundo momento, Virgínia não só é convidada para fazer parte do grupo como também passa a ser o centro da roda. É ela que pouco a pouco vai desvelando os mais íntimos segredos que cada um carrega e acaba colocando cada qual frente a frente com suas paixões e conflitos. Nesse momento, todos se deixam ver como realmente são.
Assim, a história apresenta dois momentos fundamentais: o primeiro, quando a ciranda está fechada e não permite a entrada da protagonista - é a ‘ciranda de pedra’ – e o segundo, quando toda solidez que envolve o grupo é quebrada e ela é convidada a adentrar a roda. Todos lhe oferecem um lugar no círculo.
Observando o romance desse ponto de vista, percebemos que o tempo é um elemento essencial. É ele que traz modificações no enredo, pois sua influência permite que os personagens se desloquem em direção a um outro eu, o que define de forma mais coerente a real identidade de cada um. Isso pode ser percebido em todos os personagens, onde cada qual reage e se constitui de forma diferente à mudança do tempo, deixando transbordar aquilo que realmente os constitui como pessoa.
Quanto ao espaço, a história se passa num ambiente familiar, fechado, onde os elementos de ordem externa não possuem o poder de afetar diretamente a atitude dos personagens; na verdade, o que os transforma são as ações humanas.
Para finalizar, o que mais nos chama a atenção no romance é o modo como são abordados aspectos relacionados à condição humana; independente de ser homem ou mulher, o ser humano se mostra frágil diante das dificuldades apresentadas pela vida e impotente para lidar e compreender suas próprias sensações. Além disso, o que mais nos deixa fascinados na escrita de Lygia é o poder que ela atribui às palavras a ponto de dar vida, através da descrição, a sentimentos, pensamentos e emoções que envolvem seus personagens, transferindo-os a nós leitores". Por: Regiana Perpétua Manenti
TELLES, Lygia F. Ciranda de Pedra. 28ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 204 páginas.
Fonte: http://www.leituracritica.com.br/apoioprof/aprecia/010Llftellescirpedra.asp
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