No longo prazo estaremos todos mortos - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Na coluna da semana passada falamos um pouco sobre o “pai” da economia clássica, Adam Smith. Hoje vou falar de outro “pai”, o da economia heterodoxa. O pensamento heterodoxo é aquele que não é ortodoxo, ou seja, tradicional, clássico. Na economia significa que não é de cunho liberal, ou seja, não defende o liberalismo econômico como forma de se organizar o mercado, pelo contrário, defende a intervenção direta do Estado na economia, principalmente em períodos de crise.

Keynes, portanto, foi o primeiro economista a confrontar de forma mais profunda toda a teoria econômica clássica. Ele escreve e desenvolve grande parte de seus estudos numa fase de grandes crises e guerras, substancialmente nos anos 1920 e 1930. O ápice de sua argumentação decorre nos anos em que os EUA e o Mundo são atingidos pela crise de 1929 e da Grande Depressão dos anos 1930. Em defesa do liberalismo econômico, os economistas clássicos alegavam que não deveria haver intervenção estatal, e, portanto, mesmo em situação de crise e recessão, deveria se esperar que a “mão invisível” desse logo uma mão à economia. É nesse ambiente que Keynes defende o Estado como sinalizador, como interventor, ou seja, literalmente o governo deve “injetar” dinheiro na economia, criar empregos, nem que seja pagar pessoas para cavar e tapar buracos. Com isso o consumo das famílias pode se reestabelecer e aos poucos a economia “encoraja” novamente os investidores à produção e o país pode sair da depressão/recessão econômica (quando não há crescimento).

Se Keynes pensou nisso, por que os clássicos liberais eram contra? Porque intervir no mercado pode gerar desequilíbrios e inflação. Até aí ok, mas a pergunta seguinte é, o que é melhor, ou menos ruim? Sair mais rápido de uma situação ruim com alguns “ajustes” a serem feitos, ou ficar atolado por mais tempo?

Fato é, após a Grande Depressão (anos 1930) e o desenvolvimento de toda uma escola de pensamento Keynesiano, todos os países afetados pela crise financeira de 2008 foram financiados por seus governos para se evitar uma quebra geral mundial. Anos mais tarde, os governos entram em cena novamente com o impacto recessivo gerado pela pandemia do Covid-19.

E a questão do Longo Prazo? Nessa nova onda de liberalismo, defendido por pessoas que não sabem muito bem o que é, e não buscam informação suficiente para isso, surgiu na mídia muita gente citando a frase de Keynes – a longo prazo estaremos todos mortos (“In the long run we are all dead”) para explicar que os defensores do intervencionismo não estão nem aí para o futuro, e que é melhor arrumar o agora com gastos excessivos e gerar problemas para o longo prazo, para o futuro, para os outros, afinal, no longo prazo estaremos todos mortos. Chegou-se até a imbecilidade de conectar a presumida homossexualidade de Keynes, e, portanto, ausência de filhos, com seu “descaso” para com o longo prazo.

E para a surpresa de muitos, não foi nesse sentido que Keynes escreveu esta frase. Na verdade, ele escreve no livro The Tract on Monetary Reform em 1923, e não está argumentando que devamos inconsequentemente aproveitar o presente e deixar o futuro de lado, mas sim, está contestando a teoria liberal de autoajuste do mercado, que ela mesmo diz: ser o tempo presente somente um rearranjo da eventual tendência de retorno, À LONGO PRAZO, de um estado de equilíbrio da economia. E para quem não estudou economia, o longo prazo pode levar um bom tanto de tempo. Aí vem a crítica de Keynes, de que se esperar o equilíbrio tanto tempo, nesse tempo já estaremos todos mortos.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com