A mania do crescimento - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Chicareli

O tema globalização e crescimento econômico tornou-se parte integrante da vida cotidiana. Embora alguns sejam ainda céticos, a desaceleração do crescimento parece inevitável. Seja devido ao apoio do mercado local ou às pressões da mudança climática, espera-se que a economia cresça mais lentamente.

O fundador da economia, Adam Smith, declarou em seu livro "A Riqueza das Nações" que a economia funciona melhor quando há um ambiente de mercado livre. Isto significa que o governo não intervém direta ou indiretamente nas trocas econômicas. Além disso, em seguida a Adam Smith, David Ricardo escreveu que cada país deveria produzir o que traz consigo como uma vantagem comparativa. Seu exemplo é o comércio internacional entre Portugal e a Grã-Bretanha. Naquela época, a Grã-Bretanha estava avançada na indústria têxtil e Portugal era conhecido por sua produção de vinho do Porto. Na melhor das hipóteses, Portugal não deveria investir na produção têxtil, mas vender sua produção de vinho para comprar tecidos britânicos.

Adam Smith e David Ricardo são considerados os fundadores do liberalismo. O que estamos experimentando hoje não é puro liberalismo, mas o que é chamado de neoliberalismo. Desde Adam Smith, outros pensadores econômicos também se manifestaram, incluindo Keynes, que defende uma forte intervenção do Estado na economia, especialmente em tempos de crise. Mas o que tudo isso tem a ver com a globalização e a produção local? Simplesmente tudo.

É inconcebível e insustentável que a economia cresça infinitamente. Numerosos economistas já escreveram sobre isso. Keynes, Kalecki e Schumpeter tratam do conceito dos ciclos econômicos em seus estudos. O fato é que sempre haverá crises e depressões (recessões) na economia. Pode-se dizer que a economia não tem um ciclo fixo, mas tem certamente um ciclo em que alguns anos são considerados de crescimento, um pico é atingido e algo se rompe seguindo um período de depressão e, dependendo das ações do governo, a sociedade pode ou não sofrer de uma recessão de longo prazo.

Não se trata aqui de discutir teorias econômicas, sejam elas liberais ou intervencionistas. Além do conceito que o liberalismo trouxe, a globalização, que inclui cadeias de abastecimento e divisão do trabalho, a produção parece ser até bem-sucedida em um mundo globalizado. Mas a questão é, até quando? Até uma nova crise, seja ela de cunho financeiro, pandêmico ou relacionado a atritos entre nações, ecloda.

Em resumo, se o mundo deve ser globalizado ou não, se o Estado deve intervir ou não, somente uma coisa é certa: o crescimento infinitamente sustentável é impensável. Será que finalmente vamos começar a pensar uma saída para a mania de crescimento? É possível um mundo, um sistema onde o crescimento não seja uma constante necessária?

 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com


 

Pequeno, mas poderoso - Coluna Economia e Cmportamento por Tatiana Belanga Chicareli

O desenvolvimento da economia nos permitiu alcançar um melhor padrão de vida. A evolução em vários aspectos da vida pode ser vista ao longo do século. Hoje quase todos nós temos acesso à Internet, o que permite quase tudo em nossas vidas. Home office, reuniões de trabalho ou pessoais, música, cinema, esportes, livros, compras (a lista pode infinita) tudo através da internet. É claro que há sempre aqueles que ainda são contra a tecnologia, mas sempre foram uma minoria e talvez sempre assim serão. 

Com o desdobramento da economia, a globalização voltou à moda. É importante enfatizar que a globalização é um processo da época do Império Romano. Esta era uma época em que o mundo (como então compreendido e conhecido) era visto como uma única entidade. 

Com o tempo, o mundo e os países mudaram, a globalização foi restrita de muitas maneiras e retornou fortemente como processo social e econômico nos últimos anos. Mas mesmo antes da crise do Corona, a globalização já estava sendo questionada através da ascensão de governos populistas em todo o mundo. Uma das questões era de repensar a produção descentralizada, fora dos países, significando que as empresas não vêm produzindo em seu próprio país há muito tempo. Em vez disso, um artigo é produzido em conjunto com base em partes múltiplas que vêm de diferentes países. A crise do Corona só enalteceu uma crise já existente: Os países devem proteger e fomentar as pequenas empresas e as empresas nacionais?

Esta consideração leva a uma importante conclusão intermediária: por um lado, os custos desempenham um papel importante, permitindo que bens baratos sejam produzidos no exterior. Por outro lado, surge a questão de porque é mais barato produzir em outros países. Será que esta margem seria devida à desigualdade?  A este respeito, seria significativo promover as pequenas e médias empresas e prestar mais atenção aos países pobres. 

Nossa visão predominante do progresso social se baseia fatalmente em uma falsa promessa de que sempre haverá mais, para todos. Isto inevitavelmente trouxe destruição ecológica, fragilidade financeira e instabilidade social. Infelizmente, dentro da bolha onde o crescimento é uma norma, o conceito de um estado estável parece ter sido perturbado.

 

Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com


O homem é uma criatura de hábitos - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Chicareli

Estamos no limiar de 2022 e as pessoas já estão pensando em suas resoluções de Ano Novo. Perder peso, ganhar mais dinheiro, encontrar um(a) parceiro(a), viver mais saudável, ler mais, aprender um novo idioma - a lista é interminável. Mas por que só fazemos estas resoluções de Ano Novo? Qual é a diferença entre hoje e janeiro de 2022?

Na verdade, não há diferença. Planejar agora é mais agradável do que agir agora. Tudo isso pode acontecer de forma muito bela em nossas mentes. O objetivo de eliminar 15 quilos funciona bem nas primeiras 2 a 4 semanas, mas depois você chega a um platô e libera os gatilhos que fazem você voltar a comer fast food e muito açúcar e não fazer exercícios.

Um hábito é um comportamento que se repete com tanta frequência que se torna automatizado. Ele permite resolver os problemas da vida com pouca energia. Para estabelecer novos hábitos, você precisa trabalhar em três níveis de mudança, ou seja, mudança nos resultados, mudança nos processos e mudança na identidade. A maneira mais eficaz de mudar hábitos é concentrar-se não no que você quer alcançar, mas no que você quer se tornar.

Um exemplo: você quer correr uma maratona. Quem corre uma maratona são corredores um pouco mais experientes (não necessariamente profissionais), que treinam com afinco para isso. Ter somente o objetivo MARATONA não é o bastante, para ver-se alcançando esse objetivo é mais fácil que você se identifique como um corredor experiente (que segue um treino constante). Sua identidade passa a ser CORREDOR EXPERIENTE. Identificando-se assim (mudança na identidade) é mais fácil mudar o processo (treinos) e alcançar o resultado esperado (Maratona).

Os hábitos são importantes não apenas porque podem levar a melhores resultados, mas também porque podem mudar a maneira como nos vemos. Sendo as criaturas de hábitos que somos, os hábitos desempenham um papel importante na vida, e se formos bons com eles, nenhuma mudança é impossível.

 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

 

Para que “pensar o capitalismo”? Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Nos últimos textos falamos um pouco sobre o sistema capitalista e como podemos interpretar a economia e planejar o que deve ser feito como política econômica para elevar o nível de vida dos agentes econômicos, vulgo nós.

O capitalismo trouxe consigo várias consequências, a mais relevante delas, na minha opinião, a desigualdade. Aqui a desigualdade pode ser colocada no nível do capital: existem os detentores do capital e os trabalhadores. Os trabalhadores vendem sua força de trabalho para o capitalista e este faz o capital render e remunera os trabalhadores por seu trabalho.

A renda gerada (tanto a reprodução do capital) quando o salário (do trabalhador) é direcionada para consumo e investimento. Claro que por parte do trabalhador a maior parte é direcionada ao consumo. O capitalista decide se investe mais e gera mais capacidade de produção, tendo de contratar mais trabalhadores e vendendo mais, e assim fazendo a economia crescer. Com algumas pequenas e grandes variações ao longo do tempo, o sistema pode ser assim resumido de modo bem simplista.

A outra forma de desigualdade que podemos observar é a desigualdade social propriamente dita, entre trabalhadores, onde alguns trabalhos têm uma remuneração maior do que as outras. Essas desigualdades somadas levam à desigualdade entre as nações, por isso dizemos que existem sociedades mais desenvolvidas e outras menos.

Qual a batalha de uma economia forte? Torná-la mais rica e menos desigual. A história nos mostrou que algumas sociedades tiveram mais sucesso que outras, e que a infelizmente a desigualdade ainda impera.

A pergunta principal de hoje é: para que pensar o capitalismo? Nós como trabalhadores, ou detentores de capital e principalmente como consumidores temos um papel importantíssimo nessa narrativa. Somos nós os responsáveis, individualmente e coletivamente pela construção da sociedade em que vivemos. O que gostaria de deixar como reflexão esta semana é como podemos pensar o capitalismo através de nosso consumo? Como o consumo é ou pode ser compatível com a desaceleração que o mundo demanda frente às mudanças climáticas? Os produtores querem realmente se engajar em uma produção mais consciente e menos expansiva? Será essa “consciência” somente mais uma jogada de Marketing para fazer você pensar que consumindo isso ou aquilo te faz um indivíduo mais consciente e, portanto, uma pessoa do “bem”? Pensem nisso.

 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Liberdade para ser liberal X Liberdade para ser Keynesiano - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Nas últimas 2 colunas apresentei o “pai” do pensamento econômico liberal, Adam Smith e o “pai” do pensamento heterodoxo, Keynes. Como é de se esperar, o imaginário popular pode levar a interpretações equivocadas, tais como considerar a “mão invisível” como algo sobrenatural, ou a frase de Keynes sobre o longo prazo, como se devêssemos aproveitar ao máximo o tempo presente, como se não houvesse amanhã.

Essas concepções criadas e por muitas vezes repetidas vão se tornando uma narrativa. A mãozinha do Adam Smith nem tanto, pois não há muitos economistas esotéricos (aqueles que se referem à doutrina ou prática que se fundamenta em saberes sobrenaturais), que eu saiba. Porém a frase de Keynes sobre o longo prazo se tornou muito comum nos diálogos de personagens influentes da mídia, política e financeira. São pessoas que fazem parte ativamente da política e outros como influencers financeiros. Todos têm como objetivo comum defender o liberalismo econômico.

Eu considero relevante para a discussão acadêmica, política e bate-papo entre amigos (o que é difícil atualmente com a polarização). Todos têm o direito e liberdade de defender uma posição. Somente um porém, quando a informação é falsa ou incompleta, como no caso da frase do Keynes. A frase é interpretada de forma errônea, e assim utilizada na crítica à uma política econômica mais intervencionista, como se esse tipo de ação fosse endividar o Estado a ponto de um colapso econômico futuro, pensando somente em resolver os problemas imediatos. Essa é a pobreza da discussão, é aí que não existe mais espaço para escutar e refletir sobre determinado assunto. Entram os liberais de um lado chutando o pau da barraca, dizendo que nada mais vai funcionar se o mercado não puder seguir seu rumo sozinho, e o coitado do Keynes que paga o pato.

No meu entendimento, devemos valorizar espaços que permitam discussões acerca de possibilidades, ao invés de receitas prontas a serem defendidas. Claro que existem canais, influencers, blogs e espaços na mídia onde rola um conteúdo bom e esclarecedor, que faz refletir. Minha dica, o site https://raquelbaracat.com/  😉

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com


No longo prazo estaremos todos mortos - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Na coluna da semana passada falamos um pouco sobre o “pai” da economia clássica, Adam Smith. Hoje vou falar de outro “pai”, o da economia heterodoxa. O pensamento heterodoxo é aquele que não é ortodoxo, ou seja, tradicional, clássico. Na economia significa que não é de cunho liberal, ou seja, não defende o liberalismo econômico como forma de se organizar o mercado, pelo contrário, defende a intervenção direta do Estado na economia, principalmente em períodos de crise.

Keynes, portanto, foi o primeiro economista a confrontar de forma mais profunda toda a teoria econômica clássica. Ele escreve e desenvolve grande parte de seus estudos numa fase de grandes crises e guerras, substancialmente nos anos 1920 e 1930. O ápice de sua argumentação decorre nos anos em que os EUA e o Mundo são atingidos pela crise de 1929 e da Grande Depressão dos anos 1930. Em defesa do liberalismo econômico, os economistas clássicos alegavam que não deveria haver intervenção estatal, e, portanto, mesmo em situação de crise e recessão, deveria se esperar que a “mão invisível” desse logo uma mão à economia. É nesse ambiente que Keynes defende o Estado como sinalizador, como interventor, ou seja, literalmente o governo deve “injetar” dinheiro na economia, criar empregos, nem que seja pagar pessoas para cavar e tapar buracos. Com isso o consumo das famílias pode se reestabelecer e aos poucos a economia “encoraja” novamente os investidores à produção e o país pode sair da depressão/recessão econômica (quando não há crescimento).

Se Keynes pensou nisso, por que os clássicos liberais eram contra? Porque intervir no mercado pode gerar desequilíbrios e inflação. Até aí ok, mas a pergunta seguinte é, o que é melhor, ou menos ruim? Sair mais rápido de uma situação ruim com alguns “ajustes” a serem feitos, ou ficar atolado por mais tempo?

Fato é, após a Grande Depressão (anos 1930) e o desenvolvimento de toda uma escola de pensamento Keynesiano, todos os países afetados pela crise financeira de 2008 foram financiados por seus governos para se evitar uma quebra geral mundial. Anos mais tarde, os governos entram em cena novamente com o impacto recessivo gerado pela pandemia do Covid-19.

E a questão do Longo Prazo? Nessa nova onda de liberalismo, defendido por pessoas que não sabem muito bem o que é, e não buscam informação suficiente para isso, surgiu na mídia muita gente citando a frase de Keynes – a longo prazo estaremos todos mortos (“In the long run we are all dead”) para explicar que os defensores do intervencionismo não estão nem aí para o futuro, e que é melhor arrumar o agora com gastos excessivos e gerar problemas para o longo prazo, para o futuro, para os outros, afinal, no longo prazo estaremos todos mortos. Chegou-se até a imbecilidade de conectar a presumida homossexualidade de Keynes, e, portanto, ausência de filhos, com seu “descaso” para com o longo prazo.

E para a surpresa de muitos, não foi nesse sentido que Keynes escreveu esta frase. Na verdade, ele escreve no livro The Tract on Monetary Reform em 1923, e não está argumentando que devamos inconsequentemente aproveitar o presente e deixar o futuro de lado, mas sim, está contestando a teoria liberal de autoajuste do mercado, que ela mesmo diz: ser o tempo presente somente um rearranjo da eventual tendência de retorno, À LONGO PRAZO, de um estado de equilíbrio da economia. E para quem não estudou economia, o longo prazo pode levar um bom tanto de tempo. Aí vem a crítica de Keynes, de que se esperar o equilíbrio tanto tempo, nesse tempo já estaremos todos mortos.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com