Liberdade para ser liberal X Liberdade para ser Keynesiano - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Nas últimas 2 colunas apresentei o “pai” do pensamento econômico liberal, Adam Smith e o “pai” do pensamento heterodoxo, Keynes. Como é de se esperar, o imaginário popular pode levar a interpretações equivocadas, tais como considerar a “mão invisível” como algo sobrenatural, ou a frase de Keynes sobre o longo prazo, como se devêssemos aproveitar ao máximo o tempo presente, como se não houvesse amanhã.

Essas concepções criadas e por muitas vezes repetidas vão se tornando uma narrativa. A mãozinha do Adam Smith nem tanto, pois não há muitos economistas esotéricos (aqueles que se referem à doutrina ou prática que se fundamenta em saberes sobrenaturais), que eu saiba. Porém a frase de Keynes sobre o longo prazo se tornou muito comum nos diálogos de personagens influentes da mídia, política e financeira. São pessoas que fazem parte ativamente da política e outros como influencers financeiros. Todos têm como objetivo comum defender o liberalismo econômico.

Eu considero relevante para a discussão acadêmica, política e bate-papo entre amigos (o que é difícil atualmente com a polarização). Todos têm o direito e liberdade de defender uma posição. Somente um porém, quando a informação é falsa ou incompleta, como no caso da frase do Keynes. A frase é interpretada de forma errônea, e assim utilizada na crítica à uma política econômica mais intervencionista, como se esse tipo de ação fosse endividar o Estado a ponto de um colapso econômico futuro, pensando somente em resolver os problemas imediatos. Essa é a pobreza da discussão, é aí que não existe mais espaço para escutar e refletir sobre determinado assunto. Entram os liberais de um lado chutando o pau da barraca, dizendo que nada mais vai funcionar se o mercado não puder seguir seu rumo sozinho, e o coitado do Keynes que paga o pato.

No meu entendimento, devemos valorizar espaços que permitam discussões acerca de possibilidades, ao invés de receitas prontas a serem defendidas. Claro que existem canais, influencers, blogs e espaços na mídia onde rola um conteúdo bom e esclarecedor, que faz refletir. Minha dica, o site https://raquelbaracat.com/  😉

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com


No longo prazo estaremos todos mortos - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Na coluna da semana passada falamos um pouco sobre o “pai” da economia clássica, Adam Smith. Hoje vou falar de outro “pai”, o da economia heterodoxa. O pensamento heterodoxo é aquele que não é ortodoxo, ou seja, tradicional, clássico. Na economia significa que não é de cunho liberal, ou seja, não defende o liberalismo econômico como forma de se organizar o mercado, pelo contrário, defende a intervenção direta do Estado na economia, principalmente em períodos de crise.

Keynes, portanto, foi o primeiro economista a confrontar de forma mais profunda toda a teoria econômica clássica. Ele escreve e desenvolve grande parte de seus estudos numa fase de grandes crises e guerras, substancialmente nos anos 1920 e 1930. O ápice de sua argumentação decorre nos anos em que os EUA e o Mundo são atingidos pela crise de 1929 e da Grande Depressão dos anos 1930. Em defesa do liberalismo econômico, os economistas clássicos alegavam que não deveria haver intervenção estatal, e, portanto, mesmo em situação de crise e recessão, deveria se esperar que a “mão invisível” desse logo uma mão à economia. É nesse ambiente que Keynes defende o Estado como sinalizador, como interventor, ou seja, literalmente o governo deve “injetar” dinheiro na economia, criar empregos, nem que seja pagar pessoas para cavar e tapar buracos. Com isso o consumo das famílias pode se reestabelecer e aos poucos a economia “encoraja” novamente os investidores à produção e o país pode sair da depressão/recessão econômica (quando não há crescimento).

Se Keynes pensou nisso, por que os clássicos liberais eram contra? Porque intervir no mercado pode gerar desequilíbrios e inflação. Até aí ok, mas a pergunta seguinte é, o que é melhor, ou menos ruim? Sair mais rápido de uma situação ruim com alguns “ajustes” a serem feitos, ou ficar atolado por mais tempo?

Fato é, após a Grande Depressão (anos 1930) e o desenvolvimento de toda uma escola de pensamento Keynesiano, todos os países afetados pela crise financeira de 2008 foram financiados por seus governos para se evitar uma quebra geral mundial. Anos mais tarde, os governos entram em cena novamente com o impacto recessivo gerado pela pandemia do Covid-19.

E a questão do Longo Prazo? Nessa nova onda de liberalismo, defendido por pessoas que não sabem muito bem o que é, e não buscam informação suficiente para isso, surgiu na mídia muita gente citando a frase de Keynes – a longo prazo estaremos todos mortos (“In the long run we are all dead”) para explicar que os defensores do intervencionismo não estão nem aí para o futuro, e que é melhor arrumar o agora com gastos excessivos e gerar problemas para o longo prazo, para o futuro, para os outros, afinal, no longo prazo estaremos todos mortos. Chegou-se até a imbecilidade de conectar a presumida homossexualidade de Keynes, e, portanto, ausência de filhos, com seu “descaso” para com o longo prazo.

E para a surpresa de muitos, não foi nesse sentido que Keynes escreveu esta frase. Na verdade, ele escreve no livro The Tract on Monetary Reform em 1923, e não está argumentando que devamos inconsequentemente aproveitar o presente e deixar o futuro de lado, mas sim, está contestando a teoria liberal de autoajuste do mercado, que ela mesmo diz: ser o tempo presente somente um rearranjo da eventual tendência de retorno, À LONGO PRAZO, de um estado de equilíbrio da economia. E para quem não estudou economia, o longo prazo pode levar um bom tanto de tempo. Aí vem a crítica de Keynes, de que se esperar o equilíbrio tanto tempo, nesse tempo já estaremos todos mortos.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

A mão invisível - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Hoje muito se fala sobre o liberalismo econômico. Pretendo então, apresentar uma referência de suma importância, Sr. Adam Smith, pai da economia moderna considerado um dos mais importantes teóricos, senão o mais, do liberalismo econômico.

Adam Smith foi um filósofo e economista britânico, nascido na Escócia em 1723, morreu na cidade de Edimburgo em 1790. Autor de “Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações”, a sua obra mais conhecida, e que continua sendo usada como referência para gerações de economistas.

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A tal da “mão invisível” é o ponto mais comentado e talvez marcante de sua obra. Porém, vale lembrar que o conteúdo é muito mais que isso. Mas voltando a tal “mão invisível”, o termo não tem nada de sobrenatural, muito menos religioso. Ele apresenta fatos que o levavam a crer que o mercador e/ou comerciante, ao buscar maximizar o próprio interesse, estaria (mesmo sem estar ciente) contribuindo para o bem-estar da Nação como um todo. É como se este, movido apenas por interesse próprio, fosse levado por uma “mão invisível” a promover algo em favor de toda sociedade.

Muito interessante, e certamente desperta alguma curiosidade. Vale a pena lembrar, no entanto, que o pensamento liberal não se restringe a isso. Este muito evoluiu ao longo do tempo assim como teve combatentes ferozes.

Uma crítica, das mais interessantes, pode ser vista no filme sobre a vida do John Nash (1928-2015), matemático que sofria de esquizofrenia, “Uma mente brilhante, 2001”. Em uma cena no bar, com seus amigos, Nash descobre que Adam Smith necessitava de revisão. Lá estão presentes 4 mulheres, sendo uma delas estonteantemente mais bonita que as outras.  Seus amigos pensam a mesma coisa, disputarão a atenção dela para ver qual se sairá melhor, e por ela acompanhado. Enquanto isso Nash pensa que se todos forem galantear a mais bonita, as outras se sentirão rejeitadas e não aceitarão uma abordagem, pois ninguém gosta de ser segunda opção.

Desse modo, pensando como Adam Smith, a maioria não sairá ganhando, somente o vitorioso do “investimento” com a mais bonita. Porém, se ele e os amigos forem diretamente galantear as amigas menos bonitas (e parte do princípio que elas sabem que são menos atraente que a amiga), elas se sentirão especiais e há maior chance de sucesso. Adam Smith disse que o melhor resultado acontece quando todos em um grupo fazem o melhor para si próprios, nesse caso Nash prova ao contrário: os 3 amigos podem sair acompanhados de 3 mulheres, sobrando a mais bonita, resultado melhor que 1 amigo e a mais bonita como casal, sobrando 3 amigas e 2 dois amigos frustrados.

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Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com