É claro que não se trata de uma pergunta sobre gramática, mas uma questão profunda sobre você.
A autoimagem refere-se ao conceito que você desenvolveu sobre sua aparência e a composição de seu corpo. Digo conceito porque não se trata simplesmente de olhar-se no espelho e apreender, assimilar o que vê.
Ah se fosse só isso!
Para não perder o posto de criatura mais complicada do planeta, também nesta área o ser humano não simplifica. Além do espelho, temos algumas variáveis que atuam na formação da autoimagem, tanto quanto somente o espelho deveria atuar.
Ah a percepção pura, a discriminação direta e reta, sem subterfúgios ou contingências intrometidas. Um sonho, uma utopia.
Trata-se da maneira pela qual o corpo se apresenta para si próprio. É o conjunto de sensações sinestésicas construídas pelos sentidos (audição, visão, tato, paladar) e também de experiências vivenciadas pelo individuo. Cria-se um referencial do seu corpo, para o seu corpo e para o outro.
Então autoimagem é uma relação? Sim. Uma relação entre percepção, experiência e ambiente cultural.
Percepção e experiência cada um tem a sua, mas a cultura, esta tem influenciado cada vez mais com determinação na formação ou deformação da autoimagem.
Cada sociedade sempre estabeleceu um padrão de beleza assim como de feiúra, de certo e errado. Regras e padrões fazem parte da civilização, pois são eles que regem a ordem e o comportamento coletivo. Pois bem. Hoje acho que “quem inventou o mundo civilizado” não tinha em seu script a ocorrência de algo que bagunçou os conceitos protegidos anteriormente pelas fronteiras de cada terra: a globalização.
Você pode pensar, o que a globalização tem a ver com o que eu acho da minha barriga ou da minha altura? Eu respondo: a globalização propicia a criação, alteração e até a inversão de modelos e padrões de beleza, estética e aceitação, que você, eu, a Gisele Bündchen e o mundo passamos a considerar em nossos parâmetros.
Com isso, nossas referências estão cada vez mais longínquas e, portanto, mais difíceis de alcançar. Assim, as pessoas estão se sacrificando, mutilando seus corpos, acrescentando matéria aonde acham que falta e tirando aonde pensam que sobra. O carnaval até alguns anos atrás era um desfile de alegorias e mulheres peladas. Agora, as mulheres estão um pouco menos peladas e bem menos mulheres. Fazem-me lembrar o desenho do He-Man (saudoso).
Aí vem a outra que injeta algo na perna e quase morre, as plásticas infinitas que hoje em dia começam aos 20 anos, as dietas modistas, o exercício físico à exaustão, o narcisismo moderno e destemperado.
A percepção real do corpo, do envelhecimento ou da estrutura de cada um (aquela entre só você e o espelho), é nivelada a zero! Todo mundo quer ser igual! Queremos todos o traseiro da Paola Oliveira, vamos quebrar costelas para afinar a cintura (o que são alguns ossinhos?) e não queremos mais nossas cicatrizes, vamos plastificá-las como se não existissem, vamos apagar nossas experiências.
Nossa autoimagem está doente pelo excesso. A Alta imagem ganha adeptos e frustrados, insatisfeitos e escravos.
A prática da alimentação saudável, do exercício físico suficiente e da dedicação à autoimagem com parâmetros salutares, que não causem prejuízo a outras áreas de sua vida são altamente bem-vindos e desejáveis. Mas precisamos aceitar com serenidade nossas limitações de estrutura, peso, altura, etnia. Nossas cicatrizes fazem parte de nossa vivência, será que vale a pena passar por uma cirurgia para apagá-las? Não fará parte de nossa evolução como pessoa e alma conviver com certas circunstâncias ao invés de modificá-las a qualquer custo?
Temos tanto a doar ao mundo. Temos tanto a modificar “internamente”. A paz e resiliência, a coragem de viver como somos, vêm das mudanças de comportamento e não das plásticas, preenchimentos, 5 horas diárias de academia ou zero de glúten. Gente, ninguém come mais pizza? É lúdico!
Penso que as pessoas estão depositando mais suas fichas de felicidade nas mudanças e correções físicas.
Bom seria se a aceitação fosse pelo menos uma dessas fichas.
Bom seria se a “boniteza de dentro” acalmasse e desse as mãos à imperfeição de fora.
Neste domingo, perdemos uma pessoa que tinha um sonho: melhorar sua “boniteza de fora”. Realizando esse sonho ela partiu e levou consigo sua “boniteza de dentro”.
Foi o último sonho. Foi o último sacrifício.
Sonho não combina com sacrifício. Sonho combina com dedicação.
Agora enfim, a Cleide pode ser feliz somente com o que construiu aqui.
Bonita Cleide!
Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos
Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo. Psicoterapeuta comportamental de adultos e famílias, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil e proprietária da Villa Saúde – Psicologia & Cia, uma proposta multidisciplinar e inovadora de fazer saúde íntegra. Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado. Contato: villasaudepsicologia@gmail.com e Facebook: Villa Saúde - Psicologia & Cia