Cada um de nós possui “bondades” e “maldades” dentro de si. Ninguém que habita este mundo é puramente bom. No entanto, temos nos deparado com alguma frequência, com pessoas capazes de nos assustar e ferir intensamente.
A violência e/ou constante ameaça de sofrê-la tem nos deixado, muitas vezes, minimamente apreensivos, estressados, amedrontados, “com a adrenalina solta”... O noticiário contém invariavelmente falas e cenas com as quais gostaríamos de nunca ter tido contato.
Mas não é apenas com o que está relativamente distante de nós que temos que lidar: o avanço tecnológico e as imposições de aceleração, por assim dizer, das atividades de trabalho e da busca pela aquisição de novos conhecimentos para sobrevivermos na selva de pedra que parece ser esta nossa sociedade, tem contribuído para a formação de pessoas “ensimesmadas”, autocentradas, egoístas mesmo... E solitárias de alguma maneira e em várias intensidades.
Adolescentes, jovens e mesmo homens e mulheres maduros têm buscado satisfação nos jogos, nas drogas (sejam elas lícitas ou não), nas longas e por vezes superficiais conversas virtuais, criando mundos à parte em relação àqueles que estão ao seu redor: cada filho está em um lugar jogando incessantemente, como se buscasse saciar “fomes” da alma através disso; o pai termina trabalhos que precisou levar para casa, em seu cantinho, e a mãe fica entretida no facebook, também após jornadas maçantes de trabalho. Os relacionamentos têm se mostrado voláteis, inconsistentes. Muitos não têm mais qualquer noção de limites, de que a liberdade de um termina onde começa a liberdade do outro. Enquanto em gerações passadas a repressão na educação era terrível, na atualidade a vemos afrouxando-se cada vez mais pela distância que a vida corrida e as exigências deste “novo mundo” têm imposto a pais e filhos. Os vínculos esfriam-se sem que se perceba.
E, então, diante de todo esse cenário, é importante falarmos de pessoas que já nascem com características tais como: impossibilidade de sentir culpa, incapacidade de colocar-se no lugar do outro (empatia) e até mesmo sensações de prazer com o sofrimento alheio. Estamos falando aqui de uma condição inata, a Psicopatia, em que há sim um funcionamento alterado de uma região do cérebro, mas com a qual talvez pouco se possa fazer e apenas a título de um controle. Nesses casos, somente uma educação que considere tais características de insensibilidade para com os outros, bem como de ausência de sentimento de culpa, é que pode conter comportamentos violentos no decorrer da vida. Assim, os limites devem ser colocados não de forma a procurar fazer a criança com essas características sensibilizar-se com a dor do outro, mas sim mostrando-lhe que seus comportamentos trazem consequências negativas para ela própria (proibir por determinado tempo que assista a um programa de que goste muito, por exemplo, frente a comportamentos cruéis com outra pessoa ou animalzinho).
Infelizmente, “junta-se a fome com a vontade de comer” nesta sociedade constituída por mulheres e homens que sentem-se correndo contra o tempo nas imposições de trabalho e necessidades de consumo, de modo que tantas vezes nem sequer se estranha determinadas atitudes dos próprios filhos, podendo cuidar de sua formação de maneira mais ativa e consciente.
Com isto, fácil fica de nos machucarmos frente à insensibilidade do outro em relação ao que sentimos, ainda que este outro não se trate de um caso extremo como o que mencionamos, mas cuja própria educação não tenha permitido o desenvolvimento de uma capacidade de empatia suficiente.
A falta de limites e de expressões de afeto e cuidados na infância é devastadora, podendo gerar adultos incapazes de relacionar-se de forma minimamente saudável e fazendo com que nós, “os sensíveis”, soframos decepções e grandes tristezas diante de atos que chegam a ser maldosos por parte de alguns. Isto é muito agravado no caso dos psicopatas, que, além das características já mencionadas, tendem a ser extremamente sedutores, dissimulados e manipuladores.
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com