Pode parecer estranho, em um primeiro momento, associar acidentes ao inconsciente, mas talvez possamos estar falando em prevenção dos primeiros ao fazermos tal associação.
Fazendo-a, estamos atribuindo a motivações inconscientes o desencadear de exposições a determinados riscos. Neste sentido, podemos dizer que o carro simboliza dentro de nós a nossa própria vida, de modo que o motor potente pode ser uma grande tentação em termos de compensar fantasiosamente nosso sentimento de impotência. O carro também pode representar algo que controlamos ou algo que desejamos e “achamos” inconscientemente controlar mas não controlamos, como o que o outro sente ou pensa a nosso respeito, por exemplo.
Quem sabe pode ser importante pararmos para observar como nós mesmos dirigimos e algumas perguntas podem ser feitas para nos ajudar nesta avaliação: 1. Eu deveria andar mais devagar?; 2. Costumo passar no sinal amarelo ou vermelho com que frequência?; 3. Passo sobre as lombadas em que velocidade?; 4. Tenho paciência para esperar por quanto tempoo motorista do carro da frente me dar passagem?; 4. Quanto perco a calma no trânsito?; 5. Como me sinto onde há muitos radares? Respondendo a elas podemos chegar a conclusões relevantes em relação a como estamos nos comportando ao dirigir, trazendo a oportunidade de refletirmos a respeito de estarmos ou não aumentando os riscos de sofrer um acidente desta natureza.
Vale a pena lembrar de que existem acidentes que podem acontecer dentro de casa e aqueles que não conseguimos sequer identificar o que em nossos comportamentos os teria facilitado ou ocasionado. Desde cortar o dedo ou quebrar um braço até quebrar uma costela sem ter nem ter batido essa região do corpo em qualquer intensidade...
Precisa ficar claro que não estamos falando aqui sobre ter culpa em relação ao acidente, mas sim sobre a importância de conhecer as motivações que podem estar por trás de um deles, motivações estas que não controlamos deliberadamente. É sem querer que isso acontece, ou seja, que supostamente facilitamos a ocorrência de um acidente. Assim, não há qualquer possibilidade de haver culpa de fato. O que pode acontecer é uma forma de expressar conflitos inconscientes que não puderam ser expressos em forma de palavras. Um acidente pode trazer ao corpo uma ideia que está lá no seu “arquivo morto” e está lá justamente por ser muito angustiante, não podendo vir à tona de uma forma mais saudável.
Por que será que foi o braço direito que foi quebrado? Talvez haja uma associação com o que fazemos ou desejamos fazer com ele. O sentimento de culpa em relação a isso talvez possa explicar, ainda que para o outro que está ao nosso redor não lhe pareça “nada demais”. O que importa é o significado que está dentro de nós; significado que pode precisar passar por um processo de ressignificação.
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com