Nossa sociedade vem sendo marcada por graves incertezas e grande insegurança. Vivemos em uma verdadeira selva de pedras, em que temos que conviver com atitudes motivadas poregoísmo e individualismo extremos, por brigas entre vaidades. Os nossos sonhos têm sido muitas vezes contaminados pelo materialismo e pelo consumismo, de tal forma que o ser é confundido com o ter.
Um exemplo é o padrão de beleza tão exigente que pode também ser sentido como inalcançável e, ao mesmo tempo, como um dos maiores sonhos da vida de muita gente, senão o maior deles. Há muitas vezes a ideia de que somente tendo um corpo perfeito é que se poderá ser amado e isso gera uma frustração gigantesca, além de um sentimento de culpa muito grande por não dar conta de atingir esse objetivo (ou sentir que não conseguiu).
É importante aqui dizer que, qualquer que seja o sonho de alguém, se há uma autoexigência muito grande de sua parte, a sua tendência é a de frustrar-se consigo próprio, sentindo esta experiência como fracasso e, consequentemente, trazendo o sentimento de que deveria conseguir, mas não é bom o suficiente para tanto.
Chamo de “ fantasia de controle” a ideia que não está integrada na consciênciade muitas pessoas de que se teria poder e responsabilidade sobre questões que, na realidade, não se controla ou, ao menos, não completamente. Ao longo de 17 anos, tenho visto muitos casos em que se assume papéis e responsabilidades que não são próprias desde tenra idade, significando tantas vezes uma inversão de papéis em relação aos seus pais/cuidadores. Esta inversão pesa e pesa muito, na medida em que a criança não possui recursos internos para poder cuidar de outra pessoa e nem mesmo para cuidar de si própria sozinha; e este peso não fica na infância, no passado, mas pode se arrastar para as outras relações indefinidamente, no decorrer da vida, em um funcionamento que se cristaliza e busca se perpetuar, tornando-se rival da auto-realização. A partir dessa ideia, é muito fácil acontecer uma autodepreciação que poderá resultar em um rebaixamento da autoestima bem como sentimentos de inadequação e de culpa capazes de gerar movimentos de autopunição e consequente inviabilização de realizar os próprios sonhos.
Apenas por meio da descoberta de ideias e conflitos inconscientes é que se pode encontrar as vias para elaborar os mesmos e romper o ciclo que facilmente se constrói em decorrência deles, no sentido de um autoboicote. Só assim é possível remover as amarras para a conquista de uma vida repleta de sonhos realizados.
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com