O tema tem ganhado destaque no Brasil, com empresas interessadas em participar de um período de teste
Em 1930, o renomado economista britânico John Maynard Keynes argumentou em seu livro “Economic Possibilities for our Grandchildren”, que o progresso tecnológico e o aumento da produtividade levariam as pessoas a trabalharem apenas 15 horas por semana no futuro. Recentemente, essa discussão voltou com a evolução tecnológica, as promessas de alta produtividade e seus possíveis benefícios na qualidade de vida.
A possibilidade vem sendo experimentada em alguns países pelo mundo, como um caminho para integrar o trabalho a uma rotina mais saudável. No início do mês, Portugal passou a testar o modelo, com 39 empresas e 1.000 colaboradores. O experimento também já viajou aos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros países. No Brasil, os estudos para o experimento já começaram este mês e vão até dezembro.
Para Leila Santos, coach de líderes e empresas, o desafio da redução de jornada está muito mais relacionado ao modelo operacional da empresa do que com o país onde ela está inserida. “ A legislação brasileira não impede a empresa de reduzir a carga horária, desde que o salário não seja alterado, então qualquer empresa, em teoria, poderia adotar esse modelo. No entanto, existem outros fatores que precisam ser levados em conta na hora dessa implementação, como: horário de atendimento ao público, escala de funcionários, manutenção do serviço ao consumidor, dentre outros”, destaca.
Trabalhar menos, mais tempo livre: para muitos empregados, a jornada semanal de quatro dias é um sonho, porém nem todos estão preparados para se organizar neste novo modelo proposto, nem as empresas e nem os colaboradores “ Acredito que a maioria não está apta e pronta para este novo modelo, porque ainda possuem processos ineficientes que geram um volume alto de retrabalho. Para acomodar essa ineficiência, ainda precisam de uma carga horária maior, incluindo horas extras. Tanto é verdade, que uma das principais causas do esgotamento profissional, que gera muito afastamento nas empresas, reside na sobrecarga de trabalho”.
Para Leila, outros modelos de negócio tendem a se adaptar melhor com a nova proposta. “ As startups são mais propensas a adotar esse modelo porque ainda tem flexibilidade e abertura para testar novos modelos de gestão e de operação. Empresas maiores, que possuem estruturas mais engessadas ou modelos de negócio mais conservadores, terão mais dificuldades na implementação. Nesses ambientes, é mais provável que se façam pilotos em áreas isoladas, com algumas equipes em condições mais controladas antes de expandirem para toda a empresa”.
Trabalho X Qualidade de vida
Os projetos-pilotos realizados até agora têm mostrado efeitos positivos quando assunto é qualidade de vida. Um estudo britânico divulgado em 2023, os funcionários se mostraram menos estressados e apresentavam risco menor de afecções psíquicas como o burnout (esgotamento profissional). O cenário é positivo, mas Leila faz um alerta. “Existe uma relação entre bem-estar e produtividade já demonstrada através de pesquisas nas áreas da psicologia positiva e da neurociência, assim como existem evidências de que o estresse compromete a nossa capacidade cognitiva. Se levarmos apenas isso em consideração, podemos esperar que aumentar o tempo de descanso na jornada de trabalho pode elevar a qualidade de vida e, possivelmente, a nossa capacidade criativa para solucionar problemas e inovar. Porém, para que a redução da jornada aumente a produtividade, é necessário que processos e rotina de trabalho sejam revistos dentro da nova carga horária. Se isso não for feito, é provável que ter menos tempo para realizar as tarefas eleve o estresse e reduza a produtividade ", reforça.
Questões Ambientais
Além dos pontos positivos para a qualidade de vida, os inúmeros testes e pesquisas vem gerando uma discussão sobre as vantagens para o clima. Um artigo analisou os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 1970-2007 e concluiu que uma redução de 10% nas horas de trabalho poderia reduzir a pegada de carbono em 14,6%. Para a coach de comportamento, essa afirmação pode não ser concreta em relação a outros fatores. “Espera-se que a redução da pegada de carbono venha da redução dos deslocamentos dos trabalhadores que usariam menos transportes pessoais ou públicos. No entanto, as pesquisas realizadas não são conclusivas a respeito, pois essa redução tem uma dependência direta do hábito adotado pelo trabalhador durante sua folga, o que não é uma variável controlável”, explica.
Muito ainda será discutido sobre o tema, muitos testes e muito alinhamento entre colaboradores e empregadores, mas as dúvidas sobre a efetividade só veremos na prática. “Em um cenário onde ainda se discute a efetividade do modelo de trabalho híbrido ou remoto, creio que ainda estamos longe de encarar uma jornada de 4 dias como algo viável no curto prazo. Se considerarmos apenas o universo das startups, que são mais flexíveis e já adotam modelos de gestão ágil,vejo que adotar a semana de 4 dias é um passo mais provável e até essencial, uma vez que precisam atrair e reter profissionais altamente capacitados e que buscam cada vez mais qualidade de vida e flexibilidade”, finaliza Leila.
Sobre Leila Santos
Coach de líderes e empresas há mais de 20 anos, atende clientes com renome no mercado como Grupo WLM, L’Occitane, Grupo Boticário, Sephora, Itaú, Biolab, Pfizer, Roche, Astellas, Ache, AstraZeneca, Farmoquímica, Fitec, Pierre Fabre, Uni2, Gencos, dentre outras. Atua com foco no cliente corporativo, sempre valorizando e investindo em profissionais e empresas que já estão preparados para essa mudança de cultura e mindset.