* Beatriz Taglieta Nascimento
Micro e pequenas empresas são a base da economia e recorrem constantemente ao crédito bancário para manter suas atividades. O que deveria ser um apoio, porém, muitas vezes, se transforma em obstáculo: contratos de adesão rígidos, cheios de cláusulas difíceis de compreender e encargos que comprometem a saúde financeira do negócio. Nesse cenário, torna-se essencial reconhecer a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) também nas relações bancárias empresariais, como instrumento de equilíbrio contratual e proteção contra práticas abusivas.
Embora o direito empresarial se apoie na ideia de autonomia da vontade e igualdade entre as partes, a prática mostra algo diferente: as pequenas empresas, diante de grandes instituições financeiras, não têm espaço real de negociação. O banco dita as regras, e o empreendedor precisa aceitar ou abrir mão do crédito. É a chamada “adesão”, que evidencia a vulnerabilidade dessas companhias, especialmente daquelas que dependem do crédito para manter as portas abertas.
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento de que as instituições financeiras estão, sim, submetidas ao Código de Defesa do Consumidor.
Mais do que isso, embora a regra seja considerar consumidor apenas quem adquire produto ou serviço como destinatário final, o Tribunal tem admitido uma flexibilização desse critério. Na prática, significa que, quando uma empresa demonstra estar em posição de fragilidade, seja ela técnica, jurídica ou econômica, pode se beneficiar da proteção prevista no CDC.
O objetivo não é banalizar a aplicação do CDC, mas de reconhecer que a vulnerabilidade não desaparece apenas porque a parte contratante é uma empresa. A discussão ganha força em torno da capitalização de juros. O STJ admite sua legalidade desde que expressamente pactuada[2].
Ocorre que, nos contratos bancários de adesão, essa pactuação costuma aparecer em cláusulas escondidas, redigidas em linguagem técnica e pouco acessíveis. O empresário, sem margem de discussão, acaba assumindo encargos que sequer compreende plenamente. É justamente aqui que o CDC exerce papel essencial: exigir clareza, transparência e coibir abusos que possam inviabilizar a atividade empresarial.
O tema se torna ainda mais sensível quando se analisa a realidade das micro e pequenas empresas. Apesar de formalmente serem pessoas jurídicas, sua posição contratual se aproxima muito mais do consumidor pessoa física do que de uma grande corporação: não têm poder de barganha, não detêm aparato técnico ou jurídico para discutir cláusulas bancárias e acabam suportando encargos desproporcionais.
Reconhecer a aplicação do CDC a essas empresas significa não apenas protegê-las juridicamente, mas também fomentar a economia, permitindo que tenham acesso a crédito em condições mais equilibradas. A crítica de que essa aplicação configura intervenção excessiva no mercado não resiste à realidade. Sem uma proteção mínima, o crédito deixa de ser solução e passa a ser uma armadilha, comprometendo a função social da empresa e, por consequência, a ordem econômica.
Por isso, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias empresariais, em especial na análise da capitalização de juros e dos contratos de adesão celebrados com micro e pequenas empresas, revela-se não apenas possível, mas indispensável. Trata-se de assegurar equilíbrio, transparência e preservação da atividade empresarial, conferindo efetividade ao princípio da função social do contrato.
* Beatriz Taglieta Nascimento é bacharela pela PUC-Campinas e Pós-graduada em Direito Médico e Bioética pela Escola Brasileira de Direito, advogada pleno da área contenciosa cível no escritório Granito Boneli Advogados.
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Súmula 297, Superior Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
