Talvez este título tenha sido lido por você com uma grande estranheza. Talvez esteja mesmo se perguntando se isso existe.
Infelizmente, tenho que dizer tantoque isso existe de fato, em casos de mães psicopatas, quanto que pode haver a interpretação de que elas não amam, por parte de filhos a partir de vivências com mães que apresentamdificuldades em exercer a maternagem.
Certa vez, escutei o seguinte relato: “Minha mãe não me ama. Ela só ama meu irmão. Quando eu era pequena, cheguei a cortar meu dedo de propósito para ver se ela prestava atenção em mim. Fiz um corte profundo em mim mesma e ele não doeu nada perto da dor que senti no meu coração, quando minha mãe viu muito sangue saindo, bem como a poça no chão do banheiro e simplesmente me deu um pano para que eu limpasse a sujeira que eu tinha feito. Já jovem adulta, sofri um acidente de carro que quase me matou. Quem cuidou de mim foi meu pai.”
Uma rejeição explícita por parte da mãe, como neste caso, traz marcas profundíssimas na alma de um filho, marcas estas que precisam ser cuidadas e somente podemos fazer isso por meio do conhecimento das fantasias e conflitos inconscientes que atuam terrivelmente na sua vida. Os registros na própria alma, sobretudo aqueles que se encontram encobertos, escondidosem nosso inconsciente, precisam ser desvelados o mais profundamente possível. Esses registros dizem respeito aos efeitos da falta de acolhimento, atendimento das necessidades básicas de afeto e mesmo das fisiológicas no período de dependência do ser humano.
Uma infância marcada desta maneira, ou seja, pela falta de sentir-se atendido em suas necessidades físicas e afetivas, de sentir-se amado e cuidado por quem teria por excelência o papel de fornecer alimento ao corpo e à alma do pequeno ser, pode significar sofrimentos psíquicos importantíssimos. As chances de a pessoa adoecer emocionalmente são aumentadas. A capacidade de “confiar em” tende a ser muito frágil, refletindo nos relacionamentos estabelecidos ao longo da vida, a auto-estima pode ser muito rebaixada e podem haver movimentos repetitivos de autopunição e autoboicote, até mesmo em tentativas inconscientes de chamar a atenção da mãe em testes constantes de seu amor. Como resultado de cada um desses movimentos, a pessoa sente-se ainda mais angustiada e pode, em meio a eles, provocar inconscientemente situações que envolvem riscos de morte iminente.
Pessoas que sofrem acidentes com freqüência e/ou que adoecem fisicamente com facilidade podem revelar a criança que ainda está dentro de si pedindo socorro, pedindo colo, pedindo alimento para o corpo e para o coração.
Falamos hoje de casos extremos, em que é explícita a falta de expressões de amor bem como a existência até mesmo de abusos por parte de quem tem o dever de cuidar, de amar. No entanto, tenhamos em mente como pais, como mães, que precisamos nos cuidar, conhecer nossa própria mente, a fim de maximizarmos a qualidade da nossa vida emocional a ponto de refletir tal conquista no relacionamento com nossos filhos.
Que fique bem claro que, mesmo assim, faltas em alguma medida nossos filhos sentirão, pelo simples fato de que “ninguém é perfeito”. Este pode parecer um chavão, mas precisamos nos lembrar sempre desta verdade justamente para que evitemos a autocobrança e a consequente autopunição e autoboicote que podem ser extremamente prejudiciais à saúde mental , o que fatalmente se reflete no nosso relacionamento com os filhos.
Vale lembrar que, se você sentiu medo de ser uma mãe ou um pai muito “faltante”, você automaticamente não se enquadra no rol de pessoas que têm qualquer potencial para ferir seu filho tão dramaticamente como no exemplo que foi dado. É necessário lembrar ainda de que cada pessoa/filho tem suas possibilidades e limites inatos e únicos para compreender as suas vivências, o que significa que o seu relacionamento com seu filho não é o exclusivo responsável por dores que ele possa sofrer em seu coração; isto sem contar a participação de tantos eventos que fogem totalmente de nosso controle.
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com