O que é a pontuação de vinhos que comumente aparece em catálogos e rótulos? Para que serve? Quem está por trás das avaliações que geram essas pontuações? Por que comprar ou deixar de comprar um vinho em razão da pontuação que lhe tenha dado esse ou aquele crítico, essa ou aquela publicação especializada?
O tema é polêmico, mas de fácil digestão.
A pontuação de vinhos tem a ousada pretensão de medir, até onde seria possível, a qualidade do vinho, orientando consumidores em suas decisões de compra. Da premissa já é possível inferir as enormes dificuldades dessa missão.
Mas, diante da enormidade de rótulos disponíveis no mercado, o consumidor carece, de fato, de referências que o auxiliem na compra. Isso não se discute. O que é discutível é o quanto convém ao consumidor depender apenas dessa ferramenta para decidir o que comprar.
Mas mesmo conhecedores, que se valem de conhecimentos variados sobre regiões vinícolas, produtores e enólogos, qualidade das safras, sobre os cuidados do importador que pode ou não utilizar containers refrigerados nas longa viagens marítimas, podem ter na pontuação uma suplementar referência de apoio, pois a dinâmica do mundo do vinho impede que alguém conheça todas as safras das centenas milhares de vinhos produzidos anualmente no mundo.
Para entender a importância que a pontuação assomou hoje no mercado de vinhos, basta voltar no tempo, à época em que o mundo do vinho era marcado por uma imprecisão tal que tornava o tema hermético e incompreensível para a maioria das pessoas. Estamos em fins da década de 1970 e início da década de 1980.
Nessa época, em que a qualidade geral dos vinhos não era tão elevada como atualmente é como resultante da expansão de conhecimentos avançados de técnicas de vinificação e plantio, comprar vinhos era então roleta russa, grassava a desinformação, o caos.
Só conhecedores com tarimba tinham em maior ou menor grau noção do que escolher a partir de referência sobre as características de apelações, sobre a reputações de certos produtores, sobre as características do clima em determinados anos, enfim, comprar vinhos finos não era tarefa fácil para amadores.
Nesse cenário, mais especificamente num mercado ávido de informação sobre o tema que o norteasse nas decisões de compra, alguém teve a ideia de degustar vinhos e, a partir de alguns critérios de análise, pontuá-los, divulgando os resultados através de um veículo que pudesse servir de apoio aos consumidores. O mercado era o americano; o crítico, o advogado Robert Parker; a revista, a Wine Advocate.
Sucesso instantâneo. A revista passou a nortear o consumo de um dos mercados mais vorazes do planeta e depois ganhou o mundo. Para a maioria dos consumidores que se via imersa no caos de informações ininteligíveis que campeava no mundo do vinho, foi como ver a luz.
Revistas de renome como Wine Expectator, Wine & Spirits e Wine Enthusiatic e Decanteer passaram a adotar critérios análogos de avaliação, com semelhante pontuação, de 0 a 100 pts, mas pontuando apenas de 50 pts em diante. Em linhas gerais:
- de 50 a 59 = vinhos fracos, pobres;
- de 60 a 69 = abaixo de uma média aceitável;
- de 70 a 79 = vinhos médios;
- de 80 a 89 = vinho bons;
- de 90 a 95 = vinhos excelentes;
- e de 96 a 100 = vinhos extraordinários.
Bem, pelo menos aparentemente, com uma colinha como essa, passou a ser menos penosa a decisão de compra: você agora para na frente de uma prateleira com inúmeros rótulos e, desejando um vinho de médio corpo, de Bordeaux, e relativamente barato, se depara com uma garrafa de um chateau qualquer coisa, ostentando no rótulo 89 pontos. Por um preço razoável estará levando um vinho considerado bom.
E de repente o mundo tinha enfim um timoneiro a conduzir o barco na vasta e aventureira missão de comprar vinhos que, então, passavam a ser produzidos também fora das regiões clássicas do velho mundo. Resultante da expansão de mercados consumidores e de regiões produtoras, entravam em cena EUA, Chile, Argentina, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.
Enfim, como consequência, RP passou a ser figura fundamental no meio, pois suas avaliações poderiam alavancar ou derrubar reputações worldwide.
Daí à sua influência na formação do preço da bebida foi um pulo.
RP passa ser amado por alguns produtores; odiado por outros. Passa a ser reverenciado em regiões como Bordeaux, produtora de vinhos que são o estilo predileto do crítico, assim como em outras regiões produtoras de vinhos potentes, marcados pela abundância de álcool e fruta. Mas passa a desagradar produtores de regiões como a Borgonha, cujos vinhos delicados e sofisticados não estão entre os prediletos do crítico, razão pela qual, com o tempo, ele mesmo delegara a degustadores de sua equipe a avaliação de vinhos da região.
Por aí se vê onde os problemas começam a surgir, tornando polêmico o peso da crítica, principalmente quando ela é determinante na formação de mercados e de preços.
Hoje, a revista Wine Advocate foi vendida e RP segue como consultor.
Muito pode ser dito em favor desse crítico que, sem exageros, ajudou a mudar a história do vinho: ele, por exemplo, comprava todas as garrafas que degustava, para afastar o risco de produtores menos escrupulosos lhe enviar garrafas com conteúdo “especial” diferente do encontrado nas garrafas do mesmo vinho nas gôndolas do mercado. Estabeleceu um método que passou a dar mais segurança aos consumidores, e por aí vai.
Sua iniciativa será decantada perenemente por ter mudado a forma como as pessoas pensavam o vinho, fossem produtores, fossem investidores, fossem comerciantes e importadores, fossem consumidores.
Mas a pontuação de vinhos é criticada com razão sob vários aspectos:
a) ao avaliar uma garrafa, sentencia-se com pontos um vinho que, por inúmeras razões, será diferente em várias garrafas, pois há diferenças estatisticamente comprovadas entre garrafas de um mesmo vinho;
b) há um imponderável componente de subjetividade na análise: humor e saúde do degustador, temperatura ambiente, e inúmeros outros fatores que podem alterar sua percepção;
c) a avaliação reflete o momento em que a garrafa foi aberta, como um flash instantâneo daquele estágio evolutivo do vinho, mas a bebida continua evoluindo no interior de outras garrafas, ostentando no rótulo a pontuação que foi dada àquela degustada muitos meses antes;
d) se um degustador tem predileção por vinhos do novo mundo, potentes alcoólicos, poderá não ser ele o melhor degustador de vinhos delicados, assim como o próprio RP reconheceu, ao designar um degustador para a região da Borgonha; mas outros críticos, de outros veículos, teriam esse discernimento?
e) no caso da Wine Advocate, RP designava degustadores de sua confiança para avaliar vinhos de determinadas regiões, tendo acontecido de ter de demitir um que era responsável por degustação de vinhos da américa do sul por suspeita de suborno.
f) outro fator que parece não ser levado em conta: a pontuação não deveria passar a ideia de valores absolutos da qualidade dos vinhos, mas deveriam realçar a ideia de que, dentro de determinado grupo de vinhos, aquele específico ocupa tal posição, que até poderia ser representada por pontos. Ao contrário, parece haver abstratamente um convenção de que todos os vinhos são avaliados numa mesma régua, e sabemos que isso não é possível.
Enfim, é inafastável uma certa imprecisão, e ainda uma boa dose de subjetividade na avaliação e pontuação de vinhos, pois por maiores que sejam os esforços, sempre haverá margem para dúvidas.
Por essa razão, nas avaliações que divulgo nesta coluna, ao pontuar o vinho de 0 a 100pts, sempre o faço após descrição das características do vinho, de modo que a pontuação seja apenas um apoio, uma tentativa de posicionar a garrafa numa escala de valores, com todas as limitações que decorrem desse idílio de classificação.
Há críticos, como o autor do Atlas do Vinho e do Guia de , Hugh Johnson, que adotam postura diversa, na medida em que entendem mais útil subsidiar os leitores com dados sobre as regiões, sobre os produtores, sobre as safras, sobre as experiências personalíssimas que compõe seu back ground, de modo a que, para muito além de uma mera pontuação dada a uma garrafa, o leitor possa, a partir de várias informações cruzadas, concluir pela aquisição ou não de uma garrafa.
Em seu guia de vinhos, Hugh Johnson criou um sistema de 4 pontos, representados por:
1 estrela = vinho comum, de qualidade padrão;
2 estrelas = acima da média;
3 estrelas = bem conhecido, de ata reputação;
4 estrelas = grandioso, prestigioso, caro.
Uma estrela branca representa vinhos de bom valor dentro de sua classe.
Há ouros críticos que pontuam numa escala de 0 a 20 pontos, como a Master of Wine Jancis Robinson. Há ainda o Gambero Rosso, guia italiano que pontua com número de taças, de uma a três biccheri. A publicação francesa Reveu Des Vins de France pontua de 0 10 pts. O guia de vinhos do chile Descorchados também pontua de 50 a 100 pts.
Um sistema que me agrada pela simplicidade é o de cinco pontos:
1. fraco;
2. razoável;
3. bom;
4. excelente;
5. excepcional.
Mas se você está num free shop ou num mercado, sem um guia de vinhos e sem conhecimento razoável sobre tema, a pontuação vai ajudar na decisão. Mas não se iluda. Haverá vezes em que a pontuação dada não corresponderá às expectativas.
Fato é que quanto mais o consumidor conhecer do assunto, menos dependente estará dessa referência que mede a qualidade dos vinhos a partir de alguns critérios que se pretendem objetivos, muito embora, reitere-se, comportem pesada carga de subjetividade.
A crítica especializada, como material de apoio, pode sem dúvidas ser de algum auxílio, mas convém que não se constitua no único fator a influenciar a decisão do consumidor.
Polemicas à parte, e considerando a elevada qualidade dos vinhos em geral dentro de suas categorias, as pontuações atribuídas a críticos de renome e revistas especializadas de reputação sempre serão úteis ferramentas de apoio. E só!
Bons brindes!