“Sempre sonhei com você, filho querido. Não com seu rosto ou gênero, mas com a sua existência a perfumar e colorir a minha vida. Já o amava desde então.
Ao descobrir que meu corpo não poderia gestar você, abati-me e senti como se eu não pudesse ser mãe. Ledo engano!
Foram muitos tratamentos, muitas expectativas frustradas, muito amor represado... Guardadinho pra você! Eu ainda não sabia, mas algum tempo depois, estaria gerando você no meu pedaço mais precioso: meu coração.
O desejo de que você viesse era imenso e, então, compreendi como poderia realizar meu sonho. Sei meu amado filho, que marcas foram deixadas em sua alma antes que eu pudesse evitar, mas, agora que você chegou, tenho certeza de que o amor que nos une se encarregará de repará-las na medida necessária para que se sinta cuidado, desejado, feliz e para que se desenvolva da forma mais saudável.
Vou ajudá-lo a adaptar-se ao novo cheiro... E que ele venha a ser o cheiro que lhe traga confiança e amparo.
Desde sempre lhe direi onde você foi gerado em mim; não lhe negarei a sua história. Ela é sua! E, ao lhe contar, que o meu coração possa expressar direta e veementemente ao seu o quanto é amado! Que em cada dia de sua vida você saiba o quão profundo e eterno é o nosso vínculo!
Sabe? Tenho alguns medos: medo de perder você; de não conseguir reparar as primeiras marcas de sua vida relacionadas à ruptura tão precoce com quem o trouxe à vida e dentro de quem você ficou por nove meses; de fazer algo que possa lhe parecer que é, um pouco que seja, menos filho do que outros filhos; tenho medo de não ser “a melhor mãe do mundo” para você.
Sei que vou errar bastante, meu amor, mas tenho toda esperança do mundo de que esses meus erros não o machuquem; e, se machucarem, que eu possa o mais breve e profundamente possível, sarar esses machucados.
Farei o meu melhor e espero que ele seja suficiente para que você seja alguém muito, mas muito feliz mesmo!”
Esta carta fictícia foi escrita com base em atendimentos psicológicos a mães e filhos do coração, bem como no que entendemos como um processo de adoção saudável e bem sucedido. O desejo da mãe/dos pais deve ser proeminente, qual seja justamente o desejo de ser mãe, de ser pai, de exercer esse papel, de modo que há, neste contexto, uma gestação também, mas uma gestação que acontece na alma e não no corpo. Nosso desejo é de que uma pudesse acontecer tão rapidamente quanto a outra, visto que o processo de adoção no Brasil é tão burocrático. Feliz aquele que tem a oportunidade de receber seu filho desta forma, proporcionando-lhe um lar amoroso.
Leticia Kancelkis
Coluna Psicologia
Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com