Cinco segredos para superar a perda”: 5. Autoconhecimento - Coluna Psicologia por Leticia Kancelkis

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás todo o Universo e os deuses, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar algum.”

Partamos da famosa frase acima para refletirmos a respeito da importância do autoconhecimento para a superação da(s) perda(s).  Falamos, nos textos anteriores, sobre quatro segredos para esta superação, quais sejam: a esperança, o exercício de “viver um dia de cada vez”, o reconhecimento e a compreensão do sentimento de culpa e a generosidade e altruísmo equilibrado e achamos por bem completar esta série com a abordagem do tema “autoconhecimento”.

Sendo assim, é preciso considerar que conhecer-se é fundamental para alcançar todos os demais segredos. De fato, trata-se de um desafio a ser aceito, mas um desafio que realmente vale a pena!

A esperança provém da possibilidade de sentirmos confiança em algo que não se vê, mas se conhece de um modo profundo e indelével, cuja base se encontra dentro de nós mesmos, em nenhum outro lugar; está na nossa interpretação, por assim dizer, do mundo e das pessoas, de Deus e seus mistérios; está nas figuras de pai, mãe, masculino, feminino, divino que podemos colocar para dentro do coração, de acordo com o potencial que é só nosso para isso.

Já o exercício de “viver um dia de cada vez” está intimamente ligado à possibilidade de ter tido experiências de vitória após ter passado anteriormente por dificuldades, a partir de uma postura de perseverança frente às adversidades. Estas experiências de superação anteriores a uma determinada perda geram justamente a esperança, que, por sua vez, gera a confiança necessária que possibilita a tranqüilidade e a paciência de “viver um dia de cada vez”, aproveitando cada minuto para fazer com que o momento seguinte seja o melhor possível. E só podemos nos valer assim das experiências de que estamos falando se tivermos certa dose de autoconhecimento, podendo, por meio dele, identificar  possibilidades e limites para a superação de uma perda.

 

Da mesma forma, apenas o processo de autoconhecimento é capaz de promover o reconhecimento e a compreensão do sentimento de culpa, trazendo dados de realidade e fazendo fantasias que o produziam perderem a força e, com isto, a angústia provocada por elas também.

No que diz respeito ao poder exercer a generosidade e o altruísmo equilibrado, isso somente parece possível se a pessoa conseguir conhecer mais profundamente os próprios recursos internos, as próprias potencialidades e as mentiras contadas pelo inconsciente a respeito das ameaças que este tipo de sentimento e atitude (como o perdão, o investimento afetivo no outro...) representaria fantasiosamente, mas não de fato. O perdão, que pode ser tão libertador, por exemplo, pode também ser dificultado por ideias que trazem sensação de enfraquecimento, de perda de controle sobre alguma situação... Ameaças imaginadas mas irreais acionam em nós defesas psíquicas que na verdade não nos defendem de coisa alguma e, pelo contrário, impedem, por exemplo, o exercício generoso e altruísta, tão importante para a superação da(s) perda(s).

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia

Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

 

 

 

 

 

 

Série “Cinco segredos para superar a perda: 4. Generosidade e altruísmo equilibrado” - Coluna Psicologia por Leticia Kancelkis

Hoje vamos falar sobre o quarto segredo para superar a perda, qual seja, generosidade e altruísmo equilibrado e alguém diante deste título, pode questionar: “Eu sofri a perda. Sendo assim, como a minha postura é que deveria ser generosa e altruísta neste momento? Preciso receber e não me doar agora.”

De fato, quando perdemos, sentimo-nos vulneráveis, sofridos e carentes a ponto de precisarmos receber consolo, apoio, força. Parece nem haver qualquer possibilidade de fazermos um investimento afetivo em quem quer que seja, não é?

 

Investimento afetivo pode adotar várias formas: perdão, gratidão, expressões de amor... Liberar perdão exige generosidade, assim como sentir-se grato provém de uma capacidade de tirar os olhos de si mesmo e colocá-los sobre o outro, inclusive sobre a generosidade e postura altruísta que este outro pôde ter em relação a nós. A simples possibilidade de tirar os olhos de si próprio é capaz de amenizar muitas dores. Se o foco está constantemente na perda e no sofrimento decorrente dela, aí está um verdadeiro alimento para o último e as chances dele ser maximizado e não relativizado são imensas. 

Olhar para o outro com amor, seja liberando perdão, seja sendo grato, seja lhe oferecendo algo de que esteja precisando ou que lhe faça bem, traz justamente a oportunidade de enfraquecer a própria dor, na medida em que se alimenta pensamentos, sentimentos e comportamentos capazes de produzir o bem e o prazer em produzi-lo. Bons sentimentos, neste caso, é que são maximizados e não o próprio sofrimento.

Que possamos pensar a este respeito no sentido de compreendermos também que não estamos sozinhos; não somos os únicos a sofrer e nos conscientizando disso, entendendo que sempre temos o que fazer por alguém que sofre, tornamo-nos também mais receptivos ao que o próximo pode fazer por nós, ajudando a diminuir nosso sofrimento.

Que sejamos capazes de imitar o movimento da respiração: Inspirar o ar bom e expirar o ruim. O ar bom, aqui, representando expressões de generosidade (inclusive consigo próprio) e o ar ruim a postura autocentrada, focada no próprio sofrimento, que intoxica, envenena se não for expulso.

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia

Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

Os cinco segredos para superar a perda: esperança - Coluna Psicologia por Letícia Kancelkis

Os cinco segredos para superar a perda: esperança

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia

Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

Como lidar com a perda - Coluna psicologia por Leticia kancelkis

Como lidar com a perda - Coluna psicologia por Leticia kancelkis

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia

Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

 

Carta ao filhinho do meu coração - Coluna Psicologia por Leticia Kancelkis

“Sempre sonhei com você, filho querido. Não com seu rosto ou gênero, mas com a sua existência a perfumar e colorir a minha vida. Já o amava desde então.

Ao descobrir que meu corpo não poderia gestar você, abati-me e senti como se eu não pudesse ser mãe. Ledo engano!

Foram muitos tratamentos, muitas expectativas frustradas, muito amor represado... Guardadinho pra você! Eu ainda não sabia, mas algum tempo depois, estaria gerando você no meu pedaço mais precioso: meu coração.

O desejo de que você viesse era imenso e, então, compreendi como poderia realizar meu sonho. Sei meu amado filho, que marcas foram deixadas em sua alma antes que eu pudesse evitar, mas, agora que você chegou, tenho certeza de que o amor que nos une se encarregará de repará-las na medida necessária para que se sinta cuidado, desejado, feliz e para que se desenvolva da forma mais saudável.

Vou ajudá-lo a adaptar-se ao novo cheiro... E que ele venha a ser o cheiro que lhe traga confiança e amparo.

Desde sempre lhe direi onde você foi gerado em mim; não lhe negarei a sua história. Ela é sua! E, ao lhe contar, que o meu coração possa expressar direta e veementemente ao seu o quanto é amado! Que em cada dia de sua vida você saiba o quão profundo e eterno é o nosso vínculo!

Sabe? Tenho alguns medos: medo de perder você; de não conseguir reparar as primeiras marcas de sua vida relacionadas à ruptura tão precoce com quem o trouxe à vida e dentro de quem você ficou por nove meses; de fazer algo que possa lhe parecer que é, um pouco que seja, menos filho do que outros filhos; tenho medo de não ser “a melhor mãe do mundo” para você.

Sei que vou errar bastante, meu amor, mas tenho toda esperança do mundo de que esses meus erros não o machuquem; e, se machucarem, que eu possa o mais breve e profundamente possível, sarar esses machucados.

Farei o meu melhor e espero que ele seja suficiente para que você seja alguém muito, mas muito feliz mesmo!”

Esta carta fictícia foi escrita com base em atendimentos psicológicos a mães e filhos do coração, bem como no que entendemos como um processo de adoção saudável e bem sucedido. O desejo da mãe/dos pais deve ser proeminente, qual seja justamente o desejo de ser mãe, de ser pai, de exercer esse papel, de modo que há, neste contexto, uma gestação também, mas uma gestação que acontece na alma e não no corpo. Nosso desejo é de que uma pudesse acontecer tão rapidamente quanto a outra, visto que o processo de adoção no Brasil é tão burocrático. Feliz aquele que tem a oportunidade de receber seu filho desta forma, proporcionando-lhe um lar amoroso.

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia

Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

 

 

Perda, luto e outras dores

“De repente não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente”

Vinicius de Moraes

Desde o início da coluna, disse que gostaria de escrever sobre minhas experiências como psicoterapeuta e andanças na profissão de psicóloga. Mas hoje, o que me inspirou foi uma experiência pessoal, vivida esta semana.

Na noite de 3ª feira passada, fui surpreendida com um telefonema perto da uma da manhã, que a princípio meu celular não reconheceu o número. Ao atender, minha prima, do outro lado da linha, dizia com lágrimas na voz: “ele não aguentou, ele não aguentou”.

E foi assim que recebi a notícia da morte de meu tio. Daquele jeito clássico que a gente tem medo, com ligação de madrugada, susto que arrepia a alma, dor que pega a gente de jeito. Naquele dia, perdi um tio querido, um médico incrível, para todas as horas, um pai de família aconchegante, uma referência desde a meninice. Tudo isso, em uma pessoa só.

Fiquei pensando nesses dias doloridos, de ressaca de alma, também nas muitas pessoas que passaram pelo meu consultório, no processo de recuperação dessas perdas. É unanime, mas nem sempre consciente que, o grande golpe inicial da perda é o silêncio. Minha mãe diz uma frase, um pouco “nua e crua”, mas de muita verdade: “o silêncio do morto é aterrorizante”. A não-resposta, a quietude, a ausência. Com o tempo, outras dimensões da perda se fazem presente, outras descobertas sobre as faltas que a pessoa faz. Hoje percebo nitidamente que a perda da pessoa amada, vem junto com a perda concomitante de “outras pessoas”, porque ela, a que fez parte da sua vida, teve muitas funções e papéis. Durante o luto, somos convidados a experimentar a ausência de cada papel: hoje estou sentindo falta do tio, logo logo sentirei do médico e mais adiante daquela gargalhada gostosa e até do som do piano, que há muito já não ouvia.

A boa notícia é que a maior capacidade do ser humano é a de adaptação. Somos capazes de viver as situações mais inóspitas e amansarmos a dor, reformarmos a maneira de viver. Isso é possível após uma perda porque vamos, gradualmente, resignificando a vida, incluindo a ausência no dia a dia. Por isso o tempo é fundamental, não somente por sua passagem em si, mas porque ele leva embora o primeiro Natal, o primeiro aniversário, o primeiro dia dos pais. O tempo ajuda nessa resignificação.

 E tudo vai ficando mais suave.

E a gente volta a respirar. E volta até a sorrir.

E a presença retorna na lembrança. Doce.

 A melhor maneira de enfrentar a dor é conviver com ela, lado a lado, deixando que lhe acompanhe no trabalho, ao restaurante, na academia. Não é gostoso, mas diminui o desespero enfrentá-la, diluindo-se até sumir. Temos a cultura de evitar a dor a qualquer custo mas evitá-la, em última instância, a preserva!

Obrigada tio Silas por mais essa ajuda, inspirar-me. Vai descansar, você merece.

 

flavia bertuzzo

Flávia de Tullio Bertuzzo Villalobos é Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e especialista em Psicologia Clínica Comportamental pela Universidade de São Paulo.

Psicoterapeuta comportamental há 15 anos em consultório privado e, desde 2011, psicóloga do Ambulatório de Saúde Ocupacional da 3M do Brasil.

Minha grande busca é transpor os limites do consultório, viver e aprender a psicologia em outras fronteiras, levar a ajuda e receber o aprendizado.