A bomba de um diagnóstico – E agora? Coluna Psicologia/Psiquiatria por Leticia Kancelkis

Para conversarmos sobre este tema, apresentaremos alguns trechos do livro “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus”.

“Aos treze dias de vida de Filipe, apareceu uma bolha em um dedinho de seu pezinho, o que me motivou a levá-lo ao pediatra, com urgência. Ao chegar lá, ele o mandou imediatamente para internação, em princípio, para tomar um sorinho e um banho de luz pela icterícia.

Chegando ao hospital, absolutamente nada do que faziam para aquecê-lo era bem sucedido. Seu corpo estava gelado e praticamente inerte. Foi imediatamente levado para a UTI. No caminho para ela, no elevador, uma pessoa segurava a sua porta para terminar uma conversa. O médico que acompanhava Filipe e que estava cuidando de sua internação, falou incisivamente que ela fechasse a porta, pois o caso era de extrema urgência.

O desespero era indescritível. Eu jamais imaginaria que minha vida pudesse mudar assim em tão poucos minutos. (...)

Às vinte e três horas daquela quinta-feira, ‘expulsaram-me’ da UTI e me mandaram para casa. Foi a noite mais terrível da minha vida, até então. (...)

E, assim, passaram-se sete dias de UTI, tendo sido constatada uma desidratação severa apenas e nenhuma infecção.”

Este foi o momento mais feliz, cheio de comemoração da mamãe e do papai. O maior alívio e a maior gratidão a Deus! Filipe não tinha nada! Aquela semana foi muito longa, eterna! À espera do DIAGNÓSTICO.

Como dói saber que deve haver algo grave com esse pedaço de você!!! Você precisa de que descubram logo para poderem salvar sua vida tão frágil, mas parece que o tempo não passa e os recursos da Medicina não estão dando conta de lhe dizer o que está acontecendo e como não deixar seu amor sofrer ou mesmo morrer...

O sentimento de impotência toma conta de si, bem como o de CULPA. Que culpa teria uma mãe de seu filho estar numa situação como esta? Porém, parece que o “dom do sentimento de culpa”   é um dos maiores que ela pode ter! Ela precisa ouvir o máximo de dados de realidade possível acerca do fato de não haver qualquer espécie de responsabilidade pela doença do filho. 

Voltemos aos trechos do livro:

“Por volta dos quatro meses de vida, sua cabecinha foi perdendo a sustentação e ele foi deixando de sorrir. Seus bracinhos ficavam parados, não pegava brinquedos... Foi rápido, questão de, mais ou menos, quinze a vinte dias, creio eu. (...) Foi internado na pediatria e eu lhe dizia, durante todo o tempo: ‘Não importa o que os médicos digam, filhinho! Jesus está com você! Tudo vai dar certo!’ Mas eu estava com medo! Muito medo! (...)

Quando veio a neurologista, ela me dizia coisas nada animadoras como que, se fosse hidrocefalia ou epilepsia, estas seriam boas opções. O nervosismo não tinha medida, enquanto esperávamos o resultado da tomografia. Eu não podia comer e nem parar de andar de um lado para o outro, orando sem parar. (...)

De repente, chegou a neurologista, após longa espera, com o resultado do exame. Eu lhe disse: ‘Se for delicado, gostaria que conversássemos lá fora.’ Ela respondeu: ‘Então vamos lá fora.’ Foi quase insuportável. (...). “É muito grave. Ele tem uma doença na massa branca e nós agora só precisamos fazer uma ressonância para sabermos de qual delas se trata. Perguntei-lhe, então, se levava à morte e ela disse que sim, em alguns meses ou poucos anos, pois era degenerativa.

Nem é preciso dizer o quão desesperados ficamos, mesmo porque é impossível descrever. Deixei meu pescoço e colo em carne viva com minhas unhas, caí ao chão... O maior horror que eu jamais pensei que viveria!” 

Ao recebermos um diagnóstico como este, de alguém amamos tanto, o chão se abre, o mundo fica cinza. Parece que não vamos aguentar. Nosso psiquismo pode reagir de diversas maneiras: alguns negam a gravidade da condição dentro de si, como se não contassem a si mesmos que isto está acontecendo; outros sentem a necessidade de culpar alguém, ou projetar a culpa que sente em outrem, a fim de suportá-la; outros, ainda, como se negassem a própria existência da criança enferma, rejeitam-na. Nenhuma dessas formas de lidar com tamanha dor é “culpa” dessa mãe ou desse pai. É o que dá para fazer!

Imagine que, de uma hora para outra, você tenha que “digerir” uma bomba dessas! O filho que já tinha dentro de você é morto diante de seus olhos, diante de um diagnóstico de uma síndrome, seja ela qual for. O médico decreta a sentença em segundos e, voltodizer: Você faz o que é possível fazer com isto! O filho de “dentro de você”  desmorona e outro precisa ser construído. O luto precisa ser elaborado. Isso demanda tempo, recursos internos, coragem, resiliência... Nada que possa ser cobrado de uma mãe, de uma pessoa. Simplesmente acontece conforme as próprias possibilidades e os limites internos.

E, no final das contas, o AMOR vai trabalhando na alma e trazendo tudo de que se precisa para passar por todas essas incógnitas, um dia de cada vez. UM DIA DE CADA VEZ. Enfim, nada que o poder do amor não possa aceitar como desafio...  

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia/Psiquiatria

Letícia Kancelkis – Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com