Os perigos da dor na alma - Coluna Psicologia/Psicanálise por Leticia Kancelkis

Tive contatos e relacionamentos com muitas pessoas que sofrem e sofrem muito, sobretudo de quase vinte anos para cá.

Certa vez, há muito tempo, alguém, uma pessoa muito importante para mim (na verdade, todo mundo é importante para mim, mas esta pessoa era bastante próxima), telefonou-me e disse: “Tomei por volta de 80 gotas de Rivotrile, ainda assim, não consigo dormir. Preciso desesperadamente dormir, mas não quero morrer!!! Não quero desagradar a Deus e preciso cuidar da minha filhinha!!! Se eu continuar sem conseguir dormir, precisarei tomar mais. Só preciso da garantia de que não morrerei.” Não viria ao caso agora minhas intervenções, mas preciso dizer que ela sobreviveu. O que desejo abordar aqui são tão somente duas questões: sugerir que familiares e amigos busquem ficar atentos ao grau de sofrimento possível (nem sempre tão claro) de seus queridos (sendo que uma boa dica seriam acontecimentos” pesados”demais em sua vida), bem como alguns outros sinais, como frases soltas ou palavras.

Esta pessoa tem uma história de vida marcada por muitos sofrimentos: pais sentidos como capazes de ter apenas um amor condicional, repleto de condições mesmo para que  o filho se sinta amado ou acolhido, por exemplo. Esse tipo de sentimento pode arrastar-se até a idade adulta, quando o amparo e a aprovaçãopodem vir apenas mediante assunção de papéis e tarefas (pelo menos na fantasia desta pessoa! Que fique bem claro isso! Cada pai e cada mãe fornece aquilo que tem e não o que não tem como recurso interno, o que não significa, portanto, que não haja amor.)

Enfim, o sofrimento pode ser expresso de várias maneiras: umas bastante claras;  outras nem tanto. Tomemos cuidado com nossos adolescentes! Muito suscetíveis a entrarem em um caminho tantas vezes sem volta,  que é o das drogas, cada vez mais acessíveis.

A pessoa e a situação da qual me recordei para trazer como exemplo, talvez não tenha tido o olhar necessário. Vamos tomar cuidado com uma postura autocentrada de vida!!! Vamos exercer o AMOR... O amor pode muito: o amor ao outro e o amor por nós mesmos, muitas vezes também difícil de ser exercido.

Quem sofre precisa saber que não é uma “ilha”. Precisa do outro sim. Vivemos em sociedade! Procure diminuir os riscos para a sua vida. Estou falando com você, que sofre calado!!! Temos fraquezas e forças dentro de nós. Coisas boas e ruins. Quando vir que não está conseguindo sozinho, por favor, acione alguém de confiança ou um profissional ou mesmo um Pronto Socorro!!!  Fantasias inconscientes podem “lhe dizer que não deve, que não precisa”! Não caia nesta armadilha!!! Fantasias inconscientes podem lhe fazer odiar a si próprio, muitas vezes sem que perceba! Não se deixe à mercê dessas fantasias!

Você merece ajuda! Você merece amor! A esperança pode nascer e fazer nascer uma bela flor em um lugar totalmente improvável. E ela pode ser somente o início de frutos muito maiores...

Sentimentos de culpa provenientes de fantasias inconscientes podem ser responsáveis por você achar que “tem que sofrer mesmo e que nem merece ajuda, amor, socorro.” SAIBA QUE VOCÊ FEZ NA VIDA ATÉ HOJE O QUE FOI POSSÍVEL. VOCÊ FEZ O SEU MELHOR!!! PORTANTO, PORQUE PRECISAM HAVER CULPADOS??? Não há culpados, necessariamente, mas apenas o que foi possível fazer em cada momento. ” Sugiro que pense nisso com carinho e que possa vislumbrar a possibilidade de compreender algumas coisas de uma nova maneira.

VOCÊ MERECE SIM!!! E, ALÉM DISTO, TEM O DEVER DE SE CUIDAR!!! HÁ PESSOAS QUE AMAM VOCÊ E PODEM PRECISAR MUITO DE SUA EXISTÊNCIA!!! COMO A FILHINHA DA PESSOAMARAVILHOSA QUE USEI COMO EXEMPLO.

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia/Psiquiatria

Letícia Kancelkis – Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

 

 

A bomba de um diagnóstico – E agora? Coluna Psicologia/Psiquiatria por Leticia Kancelkis

Para conversarmos sobre este tema, apresentaremos alguns trechos do livro “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus”.

“Aos treze dias de vida de Filipe, apareceu uma bolha em um dedinho de seu pezinho, o que me motivou a levá-lo ao pediatra, com urgência. Ao chegar lá, ele o mandou imediatamente para internação, em princípio, para tomar um sorinho e um banho de luz pela icterícia.

Chegando ao hospital, absolutamente nada do que faziam para aquecê-lo era bem sucedido. Seu corpo estava gelado e praticamente inerte. Foi imediatamente levado para a UTI. No caminho para ela, no elevador, uma pessoa segurava a sua porta para terminar uma conversa. O médico que acompanhava Filipe e que estava cuidando de sua internação, falou incisivamente que ela fechasse a porta, pois o caso era de extrema urgência.

O desespero era indescritível. Eu jamais imaginaria que minha vida pudesse mudar assim em tão poucos minutos. (...)

Às vinte e três horas daquela quinta-feira, ‘expulsaram-me’ da UTI e me mandaram para casa. Foi a noite mais terrível da minha vida, até então. (...)

E, assim, passaram-se sete dias de UTI, tendo sido constatada uma desidratação severa apenas e nenhuma infecção.”

Este foi o momento mais feliz, cheio de comemoração da mamãe e do papai. O maior alívio e a maior gratidão a Deus! Filipe não tinha nada! Aquela semana foi muito longa, eterna! À espera do DIAGNÓSTICO.

Como dói saber que deve haver algo grave com esse pedaço de você!!! Você precisa de que descubram logo para poderem salvar sua vida tão frágil, mas parece que o tempo não passa e os recursos da Medicina não estão dando conta de lhe dizer o que está acontecendo e como não deixar seu amor sofrer ou mesmo morrer...

O sentimento de impotência toma conta de si, bem como o de CULPA. Que culpa teria uma mãe de seu filho estar numa situação como esta? Porém, parece que o “dom do sentimento de culpa”   é um dos maiores que ela pode ter! Ela precisa ouvir o máximo de dados de realidade possível acerca do fato de não haver qualquer espécie de responsabilidade pela doença do filho. 

Voltemos aos trechos do livro:

“Por volta dos quatro meses de vida, sua cabecinha foi perdendo a sustentação e ele foi deixando de sorrir. Seus bracinhos ficavam parados, não pegava brinquedos... Foi rápido, questão de, mais ou menos, quinze a vinte dias, creio eu. (...) Foi internado na pediatria e eu lhe dizia, durante todo o tempo: ‘Não importa o que os médicos digam, filhinho! Jesus está com você! Tudo vai dar certo!’ Mas eu estava com medo! Muito medo! (...)

Quando veio a neurologista, ela me dizia coisas nada animadoras como que, se fosse hidrocefalia ou epilepsia, estas seriam boas opções. O nervosismo não tinha medida, enquanto esperávamos o resultado da tomografia. Eu não podia comer e nem parar de andar de um lado para o outro, orando sem parar. (...)

De repente, chegou a neurologista, após longa espera, com o resultado do exame. Eu lhe disse: ‘Se for delicado, gostaria que conversássemos lá fora.’ Ela respondeu: ‘Então vamos lá fora.’ Foi quase insuportável. (...). “É muito grave. Ele tem uma doença na massa branca e nós agora só precisamos fazer uma ressonância para sabermos de qual delas se trata. Perguntei-lhe, então, se levava à morte e ela disse que sim, em alguns meses ou poucos anos, pois era degenerativa.

Nem é preciso dizer o quão desesperados ficamos, mesmo porque é impossível descrever. Deixei meu pescoço e colo em carne viva com minhas unhas, caí ao chão... O maior horror que eu jamais pensei que viveria!” 

Ao recebermos um diagnóstico como este, de alguém amamos tanto, o chão se abre, o mundo fica cinza. Parece que não vamos aguentar. Nosso psiquismo pode reagir de diversas maneiras: alguns negam a gravidade da condição dentro de si, como se não contassem a si mesmos que isto está acontecendo; outros sentem a necessidade de culpar alguém, ou projetar a culpa que sente em outrem, a fim de suportá-la; outros, ainda, como se negassem a própria existência da criança enferma, rejeitam-na. Nenhuma dessas formas de lidar com tamanha dor é “culpa” dessa mãe ou desse pai. É o que dá para fazer!

Imagine que, de uma hora para outra, você tenha que “digerir” uma bomba dessas! O filho que já tinha dentro de você é morto diante de seus olhos, diante de um diagnóstico de uma síndrome, seja ela qual for. O médico decreta a sentença em segundos e, voltodizer: Você faz o que é possível fazer com isto! O filho de “dentro de você”  desmorona e outro precisa ser construído. O luto precisa ser elaborado. Isso demanda tempo, recursos internos, coragem, resiliência... Nada que possa ser cobrado de uma mãe, de uma pessoa. Simplesmente acontece conforme as próprias possibilidades e os limites internos.

E, no final das contas, o AMOR vai trabalhando na alma e trazendo tudo de que se precisa para passar por todas essas incógnitas, um dia de cada vez. UM DIA DE CADA VEZ. Enfim, nada que o poder do amor não possa aceitar como desafio...  

Leticia Kancelkis

Coluna Psicologia/Psiquiatria

Letícia Kancelkis – Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype. Contato:leticia.ka@hotmail.com

 

 

Você tem fome de quê? Coluna Psicologia/Psiquiatria por Leticia Kancelkis

Por que você come tanto? Por que você compra tanto? Por que deseja tanto assim ter um corpo perfeito, sacrificando-se excessivamente na academia? Como se justificam os excessos de sua vida?

Não temos fome apenas de comida, mas, muitas vezes, “entendemos” que é comendo compulsivamente que conseguiremos nos saciar. O resultado disso não é dos mais desejáveis: sentimento de culpa, aumento de peso, diminuição da autoestima... A mais longo prazo, isto pode significar candidatar-se às condições de hipertenso, diabético, entre outras realmente indesejáveis. O sentimento de inadequação é inevitável bem como o de estar completamente à mercê da comida. Ela manda em você! Você se sente refém dela, como se o serinanimado fosse você. Sentimentos de impotência e descontrole se apoderam do seu coração. Por quê? Porque não é desse tipo de alimento que você precisa e, sendo assim, não é desse jeito que se saciará.

A fome da alma pode se manifestar sob a forma de todo tipo de compulsão: por compras, por acúmulo de coisas das quais não precisa, por bebidas, drogas, sexo, até mesmo a busca incansável (mas que na verdade cansa muito) por um corpo perfeito e uma imagem irrepreensível.

A menina que não quer crescer, por achar isso muito arriscado, pode desejar permanecer com um corpo que não evidencia suas formas de mulher, “escondendo-se” atrás do excesso de peso. O abuso sexual pode ser um bom motivo inconsciente para o início de um quadro de transtorno do comer compulsivo. Pode ser o desencadeador também de outros tipos de compulsão como os citados acima, em uma busca por sentimento de controle e segurança ou mesmo de que pode vencer sentimentos de impotência e culpa provenientes de fantasias de que não pôde evitar determinados acontecimentos ou até mesmo de que os provocou. Em seu próprio imaginário inconsciente, pode haver facilmente a ideia de que é responsável por situações das quais se é absolutamente vítima!

É desse modo que nos tornamos algozes de nós mesmos, em ciclos de autoboicote e autopunição intermináveis. Este ciclo precisa ser interrompido, antes de que ele prossiga lhe roubando paz, vida e alegria. Permita-se ser vítima do que realmente você é. Tenha a consciência de que sobreviverá se contar a si próprio que não teve força para combater uma dada violência ou abuso. Saiba que não é responsável por tudo o que lhe acontece. Lembre-se de que Deus mandou que amássemos a nós mesmos e não somente a nosso próximo!

Letícia Kancelkis – Formada em Psicologia desde 1999, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica de referencial Psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Autora dos livros: “O Sol Brilhará Amanhã: Anuário de uma mãe de UTI sustentada por Deus” e “Uma menina chamada Alegria”. Atua como Psicóloga Clínica, atendendo também por Skype.

Contato: leticia.ka@hotmail.com