“De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente”
Vinicius de Moraes
Desde o
início da coluna, disse que gostaria de escrever sobre minhas experiências como
psicoterapeuta e andanças na profissão de psicóloga. Mas hoje, o que me
inspirou foi uma experiência pessoal, vivida esta semana.
Na noite de
3ª feira passada, fui surpreendida com um telefonema perto da uma da manhã, que
a princípio meu celular não reconheceu o número. Ao atender, minha prima, do
outro lado da linha, dizia com lágrimas na voz: “ele não aguentou, ele não
aguentou”.
E foi assim que recebi a notícia da morte de meu tio. Daquele
jeito clássico que a gente tem medo, com ligação de madrugada, susto que arrepia
a alma, dor que pega a gente de jeito. Naquele dia, perdi um tio querido, um
médico incrível, para todas as horas, um pai de família aconchegante, uma
referência desde a meninice. Tudo isso, em uma pessoa só.
Fiquei pensando nesses dias doloridos, de ressaca de alma,
também nas muitas pessoas que passaram pelo meu consultório, no processo de
recuperação dessas perdas. É unanime, mas nem sempre consciente que, o grande
golpe inicial da perda é o silêncio. Minha mãe diz uma frase, um pouco “nua e
crua”, mas de muita verdade: “o silêncio do morto é aterrorizante”. A não-resposta,
a quietude, a ausência. Com o tempo, outras dimensões da perda se fazem
presente, outras descobertas sobre as faltas que a pessoa faz. Hoje percebo
nitidamente que a perda da pessoa amada, vem junto com a perda concomitante de
“outras pessoas”, porque ela, a que fez parte da sua vida, teve muitas funções
e papéis. Durante o luto, somos convidados a experimentar a ausência de cada
papel: hoje estou sentindo falta do tio, logo logo sentirei do médico e mais
adiante daquela gargalhada gostosa e até do som do piano, que há muito já não
ouvia.
A boa notícia é que a maior capacidade do ser humano é a de
adaptação. Somos capazes de viver as situações mais inóspitas e amansarmos a
dor, reformarmos a maneira de viver. Isso é possível após uma perda porque
vamos, gradualmente, resignificando a vida, incluindo a ausência no dia a dia. Por
isso o tempo é fundamental, não somente por sua passagem em si, mas porque ele
leva embora o primeiro Natal, o primeiro aniversário, o primeiro dia dos pais.
O tempo ajuda nessa resignificação.
E tudo vai ficando
mais suave.
E a gente volta a respirar. E volta até a sorrir.
E a presença retorna na lembrança. Doce.
A melhor maneira de
enfrentar a dor é conviver com ela, lado a lado, deixando que lhe acompanhe no trabalho,
ao restaurante, na academia. Não é gostoso, mas diminui o desespero
enfrentá-la, diluindo-se até sumir. Temos a cultura de evitar a dor a qualquer
custo mas evitá-la, em última instância, a preserva!
Obrigada tio Silas por mais essa ajuda, inspirar-me. Vai
descansar, você merece.