O Preço do conhecimento - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Desta vez inspirada pelo Post da Raquel Baracat sobre “persona” e o uso da internet, gostaria de falar sobre o preço do conhecimento. Creio que nunca tivemos acesso à informação tão facilmente e gratuitamente como hoje em dia. Com o advento da Internet somos capazes de obter qualquer tipo de pesquisa, a escala de utilidade dessas informações recai, certamente naqueles que a buscam. Uma pessoa que procura uma receita de bolo de cenoura não terá interesse, naquele momento, em ler sobre filosofia pré-socrática, e vice e versa.

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Posts em mídias sociais sobre produtos e serviços tendem a ter uma forte influência sobre nosso modo de consumo, muito mais eficaz do que as já ultrapassadas propagandas do passado não tão distante. Muito interessante que o investimento em divulgação nesses casos é bem menor por parte do ofertante do produto ou serviço. São pessoas reais, normalmente dotadas de um carisma, com seguidores em abundância que nos informam sobre como é interessante consumir algo. Poderíamos entrar em questões psicológicas que nos levam a alguns comportamentos, o que não faremos aqui. Mais interessante agora é pensar que apesar de tanta informação circulando por aí, adquirir conhecimento acaba saindo caro. Me chamou a atenção o post da Raquel pelo fato dela falar que a internet deve ser algo leve, atraente e um local que usamos para nos alegrar e não como um martírio. Para isso temos de exercer um autocontrole de não consumir “tudo” que vemos, e quando falo consumir, não digo somente pagar por algo, mas nos sobrecarregar com imagens, propagandas, textos, vídeos e áudios. Muito se fala atualmente no stress causado pelo excesso de informações. Isso é um fato inegável, porém discutível, afinal, quem regula esse consumo somos nós. Ficar o tempo todo conectado procurando “algo”, ou também postar tudo o que se faz como maneira de autoafirmação não aparenta ser algo que seja leve e não estressante.

Desse modo, concordo que a internet deva ser utilizada de maneira leve, e com certeza é um ambiente muito rico em informações. Democrática também, afinal há aí informações de todos os tipos e qualidades. Mas quem sou eu para qualificar ou desqualificar conteúdo? Como já propôs Xenófanes (Filósofo pré-socrático de 570-475 a. C.): Como é que alguém pode honestamente alegar conhecer a verdade sobre aquilo que não viu por si mesmo? Em outras palavras ele observou que há uma grande diferença entre opinião e conhecimento verdadeiro, e que segundo ele, embora exista uma verdade, só se pode especular sobre ela.

O alerta fica no preço que se paga pelo “consumo” de informações, de tendências, de conhecimento, lembrando que cada informação é somente uma especulação da realidade, ou seja, deve haver um respeito nesse ambiente tão controverso de opiniões também.

A Referência sobre Xenófanes foi feita através do livro Filosofia para ocupados – dos pré-socráticos aos tempos modernos em 208 páginas de Lesley Levene.

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Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Narrativas – Por que algumas narrativas “viralizam” e outras não? Coluna Economia Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Shiller em seu mais recente livro, “Narratives Economics” (2019), trabalha a intercomunicação de diversas áreas de estudos, dentre elas neurociência, psicologia e economia. A ideia central de pesquisa da Economia Comportamental, como é chamada, é utilizar outras áreas de pesquisa e incorporá-las à ciência econômica, mais especificamente na tomada de decisões das pessoas. Narrativas são histórias ou ideias que se espalham como doenças. Narrativas econômicas são, portanto, aquelas que afetam o comportamento econômico, tal como uma história contagiante que tem o potencial de mudar a maneira em que as pessoas tomam decisões econômicas, tais como a decisão de empregar mais trabalhadores ou esperar por tempos melhores, de arriscar em um novo empreendimento ou investir em ativos especulativos voláteis. A história do Bitcoin é um exemplo de como uma narrativa viraliza e é extremamente contagiosa, resultando em mudanças substanciais na economia mundial.

Normalmente as narrativas econômicas revelam associações surpreendentes que carregam um caráter emocional considerável, a própria narrativa do Bitcoin traz consigo o catalizador de uma anarquia pacífica e de liberdade, particularmente porque a criptomoeda é considerada livre de controle governamental e empresarial. Mas acima de tudo, ela viraliza porque você não precisa entender o que é Bitcoin para comprar Bitcoin, e inevitavelmente muitas pessoas se interessam e compram Bitcoins porque acreditam que todo mundo atualmente faz exatamente a mesma coisa.

Paul J. Zak, um neuroeconomista demonstrou que narrativas com um toque dramático elevam o nível dos hormônios ocitocina e cortisol na corrente sanguínea de seus ouvintes, em cargas mais altas do que uma narrativa mais “comum”. Como os hormônios desempenham um papel importante em nossas tomadas de decisões, não é de se surpreender, então, que compreender padrões de comportamentos neurológicos faz parte da análise de tomada de decisão do agente econômico.

A pergunta a ser feita é: por que algumas narrativas “viralizam” e outras não? Narrativas são construções que misturam fatos, emoções, interesses e vários outros fatores exógenos que formam a impressão da mente humana.

Uma ferramenta utilizada pelo autor em suas pesquisas na construção da teoria sobre as narrativas é o Google Books Ngram Viewer, que mostra em forma de gráfico a frequência em que um termo, palavra ou frase aparece em livros publicados num determinado período escolhido (a partir de 1800 até os dias atuais). Infelizmente a ferramenta ainda não está disponibilizada em português.

Abaixo vemos o exemplo sobre o Bitcoin, podemos ver o termo Bitcoin apareceu nos livros em inglês nos últimos anos.

Minha sugestão é fazer uma visita ao site e fazer experimentos com os termos desejados. O resultado é no mínimo interessante e nos faz pensar por que algumas narrativas são mais comuns em determinados períodos e outros não. Como o Bitcoin é uma narrativa relativamente nova que ainda está em alta, o outro exemplo que uso é o termo “Depression”, que mostra uma tendência interessante de aumento de recorrência em anos próximos ao período do Crash da Bolsa de valores de Nova York em 1929 e novamente uma tendência de alta a partir dos anos 1950 até um novo ápice em 2012, após a crise financeira com início em 2008, que foi muito comparada com a crise da Grande Depressão dos anos 1930.


Em ambas as epidemias, medicinal e narrativa, vê-se o mesmo princípio: a taxa de contágio precisa exceder a taxa de recuperação para uma epidemia se propagar. Publicado em 2019, o livro perdeu a chance de apresentar seu conteúdo utilizando-se do exemplo de contágio pelo coronavírus (o autor usa o exemplo do Ebola). Talvez assim o livro se tornaria mais “viral” e uma tradução para o português já estivesse publicada.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Nenhum homem é uma ilha - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Na semana passada falamos sobre os Nudges, mais especificamente no âmbito governamental, onde um “Paternalismo libertário” tem o papel de influenciar as escolhas do agente econômico, ao mesmo tempo em que preserva sua liberdade.

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Nudges seriam, portanto, um empurrãozinho ao nosso sistema de funcionamento cerebral que tem de lidar com pequenas e grandes decisões diariamente. Nossas escolhas não estão, então, somente restritas ao âmbito econômico, tais como qual seguro saúde contratar ou qual a melhor maneira de programar a previdência. Do momento em que acordamos e escolhemos sobre colocar o despertador no modo soneca ou não, nosso cérebro começa a gastar energia com escolhas. Ao longo do dia, se não nos programamos anteriormente para as escolhas mais “banais”, tais como qual roupa vestir ou qual será o cardápio do jantar, podemos perder uma quantidade de energia que nos leva cada vez mais a pensamentos intuitivos e não racionais.  Nessa linha de pensamento entra a questão do hábito. Uma ação se torna um hábito a partir do momento em que não precisamos “pensar” para fazer algo, é simplesmente “automático” pois já se tornou um hábito. Assim nossa cabeça poupa energia. Não vamos entrar no mérito dos bons e maus hábitos, mas podemos dizer que uma cabeça exausta pode levar a decisões piores.

Um exemplo pode ser a escolha do cardápio do jantar de sexta-feira. Se você não programou nada, não realizou as compras de supermercado com antecedência, sai do trabalho e descobre que se quiser cozinhar terá de fazer compras, chegar em casa cozinhar para então comer, com certeza estará mais suscetível a sucumbir a um aplicativo de entrega de comidas, mesmo não querendo, mesmo tendo jurado de pés juntos começar uma dieta mais saudável na segunda feira que já passou. Se você se identificou, não se entristeça, todos somos influenciados. A maneira, porém, em que isso acontece, muitas vezes está longe de seu pensamento racional. Nossas escolhas diariamente são influenciadas, pela sociedade, pelo clima, pelo sistema econômico, pela vizinhança, pela família, pelas amizades, e a lista se estende infinitamente. Quer dizer que ninguém é “original” em suas escolhas? Como fica a questão do individualismo? Somos todos individuais e originais, porém influenciados. Como diria John Donne “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo”.

Aqui entra uma questão importante, dos contemporâneos influencers. Seria um influenciador das redes sociais um arquiteto de escolhas? Sim, de certo modo. A partir do momento em que a sociedade se rearranja de maneira a consumir mais conteúdo das redes sociais, o influencer dá aquele empurrãozinho para que você consuma um produto, uma ideia, um estilo de vida ou uma nova dieta. Se essas influências são todas boas? Aí é uma outra questão, mas eu diria que é óbvio que não. Não pelo fato de que exista um interesse por trás da influência “oferecida”, que na maioria das vezes é financeira, afinal todo mundo quer vender seu pão, mas sim porque apesar de não sermos ilhas e sermos influenciados, não somos iguais. Essa é a magia do ser humano.

O que fazer então para tomar melhores decisões? Ser influenciado de maneira mais racional, se é que podemos assim dizer? Cabe a cada um de nós, cabe mais uma vez a nossas escolhas, diariamente, de como queremos viver, quem queremos ser, quais hábitos gostaríamos de abandonar e quais construir. Intenções não são suficientes, é necessário ação, programação, e claro, se possível um “empurrãozinho do bem”, um Nudge.

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Tatiana Belanga Chicareli

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Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Nudge ou Paternalismo Libertário - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Chicareli

Na semana passada começamos a conversar sobre Nudge.

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Em inglês “Nudge” significa “dar um empurrãozinho, cutucar as costelas, principalmente com os cotovelos”. Nesse sentido, o nudge é o ato de alertar ou avisar gentilmente. Quem cria nudges? Arquitetos de escolhas podem ajudar. A princípio todos podemos ser “arquitetos de escolha”. Um arquiteto de escolhas tem a responsabilidade de organizar o contexto no qual as pessoas tomam decisões. “Se você faz a cédula de votação usada para escolher candidatos, você é um arquiteto de escolhas. Se você é médico e vai explicar as opções de tratamento disponíveis para um paciente, você é um arquiteto de escolhas. Se elabora o formulário de adesão ao plano de saúde que os recém-contratados precisam preencher ao entrar na empresa, você é um arquiteto de escolhas. Se está explicando ao seu filho ou a sua filha que faculdades ele ou ela pode cursar quando terminar o ensino médico, você é um arquiteto de escolhas. Se você é um vendedor, você é um arquiteto de escolhas (mas nesse caso você já sabia).

 Um ótimo exemplo do nosso dia a dia é a disposição dos produtos nos supermercados, a música que toca enquanto você faz compras e os produtos disponibilizados próximo aos caixas. Nem paramos para pensar que a simples disposição possa interferir na nossa escolha, mas quem nunca saiu do mercado com muito mais coisas do que pensou, planejou ou desejou? Detalhes mínimos que parecem insignificantes podem gerar impactos no comportamento das pessoas. Uma arquiteta de escolhas que trabalha na disposição de alimentos no refeitório de uma escola, por exemplo, pode dar um nudge, ou seja, influenciar as crianças a comer de uma forma saudável. Isso é o que Richard Thaler e Cass Sunstein também chamam de paternalismo libertário.

Pensando bem, são conceitos contraditórios. O lado libertário está na convicção de que as pessoas devem ter liberdade de escolhas, para fazer o que quiserem, quando usamos o adjetivo “libertário” para modificar o substantivo “paternalismo”, é apenas no sentido de preservar a liberdade. Os paternalistas libertários querem cada vez mais que as pessoas sigam seu próprio caminho, e não impor obstáculos. O lado paternalista, portanto, legitima arquitetos de escolhas para tentar influenciar o comportamento das pessoas, desde que seja para tornar a vida delas mais longa, mais saudável e melhor. O nudge no setor público e privado seria o empurrãozinho capaz de mudar o comportamento das pessoas de forma previsível sem vetar qualquer opção e sem nenhuma mudança significativa de seus incentivos econômicos.

Nudges não são ordens, são escolhas influenciadas, para que tomemos a melhor decisão, “por nós mesmos”. Afinal, pessoas reais têm dificuldade para tomar sempre as melhores decisões. Muitos podem confundir o paternalismo libertário com inclinações partidárias de direita ou esquerda. Na verdade, os economistas comportamentais acreditam que seja um fundamento promissor para o multipartidarismo. Em muitas áreas, como a proteção ao meio ambiente, o direito familiar e a escolha de uma escola para os filhos, o melhor tipo de governo requer menos coação e limitações governamentais e mais liberdade de escolhas. A proposta é simples, que os governos substituam exigências e proibições por nudges, levando a um Estado não maior, mas, sim, um governo melhor.

 Na semana que vem falaremos mais sobre como o sistema de funcionamento de nosso cérebro é complexo e como os pensamentos intuitivos (automáticos) e reflexivos (racionais) permeiam nossas decisões, e nesse ambiente, continuar falando da importância dos nudges.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com