Narrativas – Por que algumas narrativas “viralizam” e outras não? Coluna Economia Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Shiller em seu mais recente livro, “Narratives Economics” (2019), trabalha a intercomunicação de diversas áreas de estudos, dentre elas neurociência, psicologia e economia. A ideia central de pesquisa da Economia Comportamental, como é chamada, é utilizar outras áreas de pesquisa e incorporá-las à ciência econômica, mais especificamente na tomada de decisões das pessoas. Narrativas são histórias ou ideias que se espalham como doenças. Narrativas econômicas são, portanto, aquelas que afetam o comportamento econômico, tal como uma história contagiante que tem o potencial de mudar a maneira em que as pessoas tomam decisões econômicas, tais como a decisão de empregar mais trabalhadores ou esperar por tempos melhores, de arriscar em um novo empreendimento ou investir em ativos especulativos voláteis. A história do Bitcoin é um exemplo de como uma narrativa viraliza e é extremamente contagiosa, resultando em mudanças substanciais na economia mundial.

Normalmente as narrativas econômicas revelam associações surpreendentes que carregam um caráter emocional considerável, a própria narrativa do Bitcoin traz consigo o catalizador de uma anarquia pacífica e de liberdade, particularmente porque a criptomoeda é considerada livre de controle governamental e empresarial. Mas acima de tudo, ela viraliza porque você não precisa entender o que é Bitcoin para comprar Bitcoin, e inevitavelmente muitas pessoas se interessam e compram Bitcoins porque acreditam que todo mundo atualmente faz exatamente a mesma coisa.

Paul J. Zak, um neuroeconomista demonstrou que narrativas com um toque dramático elevam o nível dos hormônios ocitocina e cortisol na corrente sanguínea de seus ouvintes, em cargas mais altas do que uma narrativa mais “comum”. Como os hormônios desempenham um papel importante em nossas tomadas de decisões, não é de se surpreender, então, que compreender padrões de comportamentos neurológicos faz parte da análise de tomada de decisão do agente econômico.

A pergunta a ser feita é: por que algumas narrativas “viralizam” e outras não? Narrativas são construções que misturam fatos, emoções, interesses e vários outros fatores exógenos que formam a impressão da mente humana.

Uma ferramenta utilizada pelo autor em suas pesquisas na construção da teoria sobre as narrativas é o Google Books Ngram Viewer, que mostra em forma de gráfico a frequência em que um termo, palavra ou frase aparece em livros publicados num determinado período escolhido (a partir de 1800 até os dias atuais). Infelizmente a ferramenta ainda não está disponibilizada em português.

Abaixo vemos o exemplo sobre o Bitcoin, podemos ver o termo Bitcoin apareceu nos livros em inglês nos últimos anos.

Minha sugestão é fazer uma visita ao site e fazer experimentos com os termos desejados. O resultado é no mínimo interessante e nos faz pensar por que algumas narrativas são mais comuns em determinados períodos e outros não. Como o Bitcoin é uma narrativa relativamente nova que ainda está em alta, o outro exemplo que uso é o termo “Depression”, que mostra uma tendência interessante de aumento de recorrência em anos próximos ao período do Crash da Bolsa de valores de Nova York em 1929 e novamente uma tendência de alta a partir dos anos 1950 até um novo ápice em 2012, após a crise financeira com início em 2008, que foi muito comparada com a crise da Grande Depressão dos anos 1930.


Em ambas as epidemias, medicinal e narrativa, vê-se o mesmo princípio: a taxa de contágio precisa exceder a taxa de recuperação para uma epidemia se propagar. Publicado em 2019, o livro perdeu a chance de apresentar seu conteúdo utilizando-se do exemplo de contágio pelo coronavírus (o autor usa o exemplo do Ebola). Talvez assim o livro se tornaria mais “viral” e uma tradução para o português já estivesse publicada.

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 Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Sonhos - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Sonhos são passagens

para uma viagem

sem quilometragem.

Passamos em túneis

sem perceber

algumas mulheres sonham com anéis

e outras com o amanhecer.

Pessoas pobres sonham em comer

e o político sempre em se abastecer.

Carrego no sonho a esperança

no meu mundo de criança

de tirar a diferença entre pobres e ricos

como favelados e políticos

e lhes impor a semelhança

como minha melhor herança.

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 Este é um texto livre de uma garota de quase 12 anos, na época, em 1992 na sexta série do ginásio. Esta sou eu. Desde que me conheço por gente gosto de ler e escrever. Engraçado que passados quase 30 anos, o texto é atual. Ideologias à parte, creio que ter escolhido o caminho de estudar Economia, História Econômica, ter interesse por Psicologia e Filosofia me levaram a questionamentos mais profundos sobre o real sentido de tudo isso que chamamos vida. Mas enfim, vamos ao que interessa, ao tema polêmico: Finanças.

No senso comum, as pessoas pensam Finanças como algo muito complicado que somente alguns poucos podem entender, aquele pessoal de terno que trabalha em Wall Street, ou nas corretoras de investimentos, popularizadas a um público maior devido a sua exposição nas redes sociais. No caso Brasil, temos atualmente uma fonte abastada em termos de informações sobre investimentos, formação de uma carteira de investimentos, planejamento, e infelizmente também a aposta em ganhos rápidos e sem “muito esforço” de curto prazo, que garantirá sua renda dos cursos picaretas de “Day trade”. Tudo tem seu preço.

Mas afinal o que são Finanças? Como uma Finança bem arquitetada pode levar a uma sociedade melhor. Meu autor favorito do momento, Robert J. Shiller, economista ganhador do prêmio Nobel, tem lecionado e escrito livros sobre o tema já há algum tempo. Shiller defende a ideia de que não somente o Capitalismo enquanto sistema, assim como o Capitalismo Financeiro (atual era do Capitalismo), é capaz de gerar uma sociedade mais igualitária. O pensamento não é tão absurdo quanto parece, somente precisa ser olhado por um outro prisma.

Muitos dos estudos na área de Finanças são focados em estratégias e resultados de curto prazo, tópico relacionado ao gerenciamento de risco, formação de portifólios otimizados de investimentos. Mas isto é somente uma parte do que Finanças realmente envolvem. Segundo Shiller em “Finance and the Good Society”, a solução para o problema está na melhora e democratização das Finanças, servindo assim a um bem maior da sociedade como um todo. As pessoas devem, portanto, ter um acesso mais facilitado a inovações financeiras, e principalmente uma melhor educação financeira. O papel do Governo então, é de fornecer regras claras ao jogo, que protejam os consumidores e que promovam o interesse público geral, permitindo que os competidores façam o que melhor podem fazer: fornecer melhores produtos e serviços. O desafio aqui fica por conta dos espectros dimensionais dessas regras, que deveriam atingir o mais igualitariamente possível uma dimensão internacional, dado que hoje em dia os mercados financeiros são “globais” em alcance e efeitos instantâneos.

O que tudo isso tem a ver com o meu texto livre escrito décadas atrás? Também não sei. Pensando em desigualdades e ideias lembrei-me desse texto. Talvez seja somente uma utopia, a diminuição das desigualdades num ambiente Capitalista (sobretudo financeiro), talvez não. Talvez existam pessoas, que se dediquem ainda a um estudo na área econômica e financeira, que olhe por trás do espelho, e que vislumbre, que talvez o que precisamos na construção de algo melhor, seja uma educação melhor, de base e superior, para servimos assim a sociedade com melhores cabeças. Infelizmente num ambiente tão agressivo de defesas de ideologias, principalmente nas redes sociais, fica chato, além de extremamente cansativo, tentar empreender uma discussão saudável e educada.

 

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Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com

Nenhum homem é uma ilha - Coluna Economia e Comportamento por Tatiana Belanga Chicareli

Na semana passada falamos sobre os Nudges, mais especificamente no âmbito governamental, onde um “Paternalismo libertário” tem o papel de influenciar as escolhas do agente econômico, ao mesmo tempo em que preserva sua liberdade.

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Nudges seriam, portanto, um empurrãozinho ao nosso sistema de funcionamento cerebral que tem de lidar com pequenas e grandes decisões diariamente. Nossas escolhas não estão, então, somente restritas ao âmbito econômico, tais como qual seguro saúde contratar ou qual a melhor maneira de programar a previdência. Do momento em que acordamos e escolhemos sobre colocar o despertador no modo soneca ou não, nosso cérebro começa a gastar energia com escolhas. Ao longo do dia, se não nos programamos anteriormente para as escolhas mais “banais”, tais como qual roupa vestir ou qual será o cardápio do jantar, podemos perder uma quantidade de energia que nos leva cada vez mais a pensamentos intuitivos e não racionais.  Nessa linha de pensamento entra a questão do hábito. Uma ação se torna um hábito a partir do momento em que não precisamos “pensar” para fazer algo, é simplesmente “automático” pois já se tornou um hábito. Assim nossa cabeça poupa energia. Não vamos entrar no mérito dos bons e maus hábitos, mas podemos dizer que uma cabeça exausta pode levar a decisões piores.

Um exemplo pode ser a escolha do cardápio do jantar de sexta-feira. Se você não programou nada, não realizou as compras de supermercado com antecedência, sai do trabalho e descobre que se quiser cozinhar terá de fazer compras, chegar em casa cozinhar para então comer, com certeza estará mais suscetível a sucumbir a um aplicativo de entrega de comidas, mesmo não querendo, mesmo tendo jurado de pés juntos começar uma dieta mais saudável na segunda feira que já passou. Se você se identificou, não se entristeça, todos somos influenciados. A maneira, porém, em que isso acontece, muitas vezes está longe de seu pensamento racional. Nossas escolhas diariamente são influenciadas, pela sociedade, pelo clima, pelo sistema econômico, pela vizinhança, pela família, pelas amizades, e a lista se estende infinitamente. Quer dizer que ninguém é “original” em suas escolhas? Como fica a questão do individualismo? Somos todos individuais e originais, porém influenciados. Como diria John Donne “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo”.

Aqui entra uma questão importante, dos contemporâneos influencers. Seria um influenciador das redes sociais um arquiteto de escolhas? Sim, de certo modo. A partir do momento em que a sociedade se rearranja de maneira a consumir mais conteúdo das redes sociais, o influencer dá aquele empurrãozinho para que você consuma um produto, uma ideia, um estilo de vida ou uma nova dieta. Se essas influências são todas boas? Aí é uma outra questão, mas eu diria que é óbvio que não. Não pelo fato de que exista um interesse por trás da influência “oferecida”, que na maioria das vezes é financeira, afinal todo mundo quer vender seu pão, mas sim porque apesar de não sermos ilhas e sermos influenciados, não somos iguais. Essa é a magia do ser humano.

O que fazer então para tomar melhores decisões? Ser influenciado de maneira mais racional, se é que podemos assim dizer? Cabe a cada um de nós, cabe mais uma vez a nossas escolhas, diariamente, de como queremos viver, quem queremos ser, quais hábitos gostaríamos de abandonar e quais construir. Intenções não são suficientes, é necessário ação, programação, e claro, se possível um “empurrãozinho do bem”, um Nudge.

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Tatiana Belanga Chicareli

Coluna Economia e Comportamento

Economista formada pela PUC-Campinas, Mestre em História Econômica pela UNESP, doutora em Desenvolvimento Econômico (História Econômica) pela UNICAMP. Pesquisadora na área de Econômica comportamental e Narrativas Econômicas, com foco no período da Grande Depressão. Escreve sobre economia, escolhas, livros e comportamentos. Email: tatiana.chicareli@gmail.com