Em 1996, a TV paga ainda se consolidava no Brasil. Novos canais surgiam a conta-gotas. Um dos lançamentos daquele ano foi o Sony Entertainment Television, hoje conhecido como canal Sony. A programação era formada quase que apenas por séries americanas.
Para mim, foi um choque. Os chamados “enlatados” haviam praticamente desaparecido da TV aberta brasileira. Sitcoms de enorme sucesso nos Estados Unidos, como “The Cosbys”, jamais foram exibidas por aqui. Fui assistir a episódios de dois carros-chefes do Sony, “Seinfeld”, então na sétima temporada, e “Friends”, na terceira, praticamente virgem no gênero.
Entendi na hora porque ambas já eram fenômenos, e não só entre o público americano. As duas tinham roteiros afiadíssimos, com uma piada a cada dez segundos —os famosos “one-liners”. O resultado era um tiroteio verbal que, até hoje, poucos roteiristas brasileiros dominam. Eu simplesmente não conseguia parar de rir.
Mas não é só o humor que explica a aceitação quase universal de “Seinfeld” e “Friends”. As duas sitcoms tinham, como leitmotiv, algum defeito comum a toda a humanidade. “Seinfeld” costumava se definir como “uma série sobre o nada”, mas seu tema subjacente é o egoísmo. Seus quatro protagonistas agem em interesse próprio o tempo todo. São punidos por isso, mas nunca aprendem nada.
E qual seria o defeito satirizado por “Friends”? No meu entender, a imaturidade. Ou, em termos mais precisos, o medo da vida adulta.
Quando a série começa, Chandler, Joey, Monica, Phoebe, Rachel e Ross são jovens bem crescidinhos, na faixa dos 25 anos. Mas todos se comportam, em maior ou menor grau, como crianças. Fogem das responsabilidades profissionais e dos relacionamentos mais sérios. Querem que a vida que levam se prolongue para sempre.
Por que não quereriam? Os seis são bonitos, saudáveis, sem problemas de dinheiro nem nenhuma grande aflição. Hoje salta aos olhos o fato de todos serem brancos, heterossexuais e cisgênero. Mas é injusto cancelar um programa que estreou 27 anos atrás só porque ele não se encaixa nos padrões atuais.
“Friends” foi um produto de seu tempo. Não faltam na série piadas gordofóbicas e homofóbicas. Mas ela também ousou diversas vezes. Ross teve uma namorada negra e outra de origem chinesa, o que não era nada comum naquela época.
Sua primeira mulher o deixou por outra mulher. O pai de Chandler era uma mulher trans, vivida por Kathleen Turner. Phoebe emprestou sua barriga para gestar os trigêmeos do irmão e sua mulher bem mais velha. Monica, na última temporada, se descobria infértil, e decidia adotar uma criança.
Mas não é só o humor que explica a aceitação quase universal de “Seinfeld” e “Friends”. As duas sitcoms tinham, como leitmotiv, algum defeito comum a toda a humanidade. “Seinfeld” costumava se definir como “uma série sobre o nada”, mas seu tema subjacente é o egoísmo. Seus quatro protagonistas agem em interesse próprio o tempo todo. São punidos por isso, mas nunca aprendem nada.
E qual seria o defeito satirizado por “Friends”? No meu entender, a imaturidade. Ou, em termos mais precisos, o medo da vida adulta.
Quando a série começa, Chandler, Joey, Monica, Phoebe, Rachel e Ross são jovens bem crescidinhos, na faixa dos 25 anos. Mas todos se comportam, em maior ou menor grau, como crianças. Fogem das responsabilidades profissionais e dos relacionamentos mais sérios. Querem que a vida que levam se prolongue para sempre.
Por que não quereriam? Os seis são bonitos, saudáveis, sem problemas de dinheiro nem nenhuma grande aflição. Hoje salta aos olhos o fato de todos serem brancos, heterossexuais e cisgênero. Mas é injusto cancelar um programa que estreou 27 anos atrás só porque ele não se encaixa nos padrões atuais.
“Friends” foi um produto de seu tempo. Não faltam na série piadas gordofóbicas e homofóbicas. Mas ela também ousou diversas vezes. Ross teve uma namorada negra e outra de origem chinesa, o que não era nada comum naquela época.
Sua primeira mulher o deixou por outra mulher. O pai de Chandler era uma mulher trans, vivida por Kathleen Turner. Phoebe emprestou sua barriga para gestar os trigêmeos do irmão e sua mulher bem mais velha. Monica, na última temporada, se descobria infértil, e decidia adotar uma criança.
Mesmo parecendo datada, a série continua fazendo sucesso. Durante muito tempo, foi um dos programas mais vistos da Netflix, até a WarnerMedia decidir não renovar mais o contrato com o serviço. A razão é simples —“Friends” agora é um dos pilares da HBO Max, a nova plataforma de streaming da Warner.
Conferi o apelo duradouro de “Friends” dentro da minha própria família. Minha sobrinha, hoje com 25 anos, ficou obcecada pelo sexteto no final da adolescência. Viu e reviu os 236 episódios, apesar de aqueles jovens pouco mais velhos do que ela habitarem um planeta sem redes sociais ou smartphones.